domingo, 3 de junho de 2012

CATARSE DA AGRESSÃO: UM EXAME CRÍTICO (BERNARDO JABLONSKI)

Aos colegas que pretendem abordar o tema, fica uma indicação. Fiz uma adptação do texto para o blog, mas pelo resumo e o índice, já podemos ter uma noção do que se trata o presente trabalho.



DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

CATARSE DA AGRESSÃO: UM EXAME CRÍTICO
BERNARDO JABLONSKI

Departamento de Psicologia
Pontifica Universidade Católica do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro, 30 de julho de 1978
Dissertação apresentada ao Departamento de
Psicologia da PUC/RJ como parte dos
requisitos para obtenção do título de Mestre
em Psicologia Teórico-Experimental.
Orientador: Octávio Soares Leite



RESUMO


A partir de uma primeira referência na obra de Aristóteles, a noção de catarse veio
adquirindo considerável importância ao longa da evolução da psicologia, mormente nos
capítulos referentes ao estudo do comportamento agressivo.
Procuramos mostrar primeiramente as posições a respeito de S. Freud, da corrente
etologista, principalmente a de K. Lorenz, dos teóricos do grupo de Yale (Frustração-
Agressão) e de Berkowitz, Feshbach e Bandura, que também se dedicaram ao assunto.
Em seguida, no capítulo que trata dos modelos teóricos, há a tentativa de ver qual
dos vários referenciais teóricos abrigaria melhor a noção de catarse, uma vez que parte do
estado confusional relacionado ao sentido exato dessa noção deve-se à utilização de um
mesmo conceito dentro de referências teóricas diferentes.
O capítulo seguinte trata dos principais experimentos que testam a validade da
catarse como controladora da agressão no sentido de verificar se a liberação da agressão –
direta ou vicariamente – provoca uma diminuição subseqüente de sentimentos ou atos
hostis.
E, na parte final do presente trabalho, tecemos considerações acerca dos
resultados – na maior parte contrários à hipótese da catarse – encontrados na resenha
experimental existente, além de procurar fornecer algumas contribuições, tanto em
termos teóricos como metodológicos, que podem a nosso ver ajudar a dirimir as
controvérsias existentes sobre intrigante noção de catarse da agressão.




SUMÁRIO
Página
CAPÍTULO 1 – HISTÓRICO E DESENVOLVIMENTO DO TERMO…………... 1
S. Freud............................................................................................... 2
Etologia e Agressão............................................................................ 10
Grupo de Yale: Frustração e Agressão............................................... 21
Teoria da Aprendizagem Social.......................................................... 26
L. Berkowitz....................................................................................... 35
“Completion Tendency”..................................................................... 39
S. Feshbach......................................................................................... 46
CAPÍTULO 2 – A CATARSE E OS MODELOS TEÓRICOS................................. 53
A noção de drive................................................................................. 59
CAPÍTULO 3 – PRINCIPAIS EXPERIMENTOS: UMA REVISÃO....................... 65
Catarse Vicária-Fantasia...................................................................... 65
Humor Agressivo................................................................................. 72
Violência, Televisão e Cinema............................................................ 81
Experimentos de Laboratório............................................................... 82
Estudos de Campo................................................................................ 91
Atividade física e esportes.................................................................... 97
Expressão direta da agressividade: objetos substitutos e objeto
instigador.............................................................................................. 99
Ataque ao Objeto Instigador................................................................. 102
CAPÍTULO 4 – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS ADICIONAIS.....................................................................................................
106
ADENDO: Catarse, Fama e Psicoterapia..................................................................... 111
CONCLUSÃO: A Purgação da Purgação.................................................................... 115
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................... 124




CAPÍTULO 1
HISTÓRICO E DESENVOLVIMENTO DO TERMO
- “Falemos da tragédia e, segundo o que
deixamos dito, formulemos a definição de
sua essência própria. 2. A tragédia é a
imitação de uma ação importante e
completa, de certa extensão; num estilo
tornado agradável pelo emprego separado de
cada uma de suas formas, segundo as partes;
ação apresentada, não com a ajuda de uma
narrativa, mas por atores, e que suscitando a
compaixão e o terror, tem por efeito obter a
purgação dessas emoções”.
(Arte Poética, Cap. VI da Tragédia e
de Suas Diferentes partes,
Aristóteles)
Se há que se buscar em algum lugar a fonte da noção de catarse, esse lugar é a
obra de Aristóteles, principalmente na “Arte Poética”, embora haja em obra anterior –
“Política”- uma primeira citação do termo. Ainda na “Política”, Aristóteles afirmava que
posteriormente (na “Arte Poética”) explicaria mais sucintamente o que entendia por
aquela purificação ou purgação, proporcionável pela música e/ou pelas tragédias.
Seja como for, a verdade é que Aristóteles pouco se explicou sobre o sentido do
termo empregado. Binstock (1973) é categórico a esse respeito, afirmando que nunca
chegaremos a saber o que realmente Aristóteles pretendia dizer. Para W.D. Ross em
“Aristotle” (tradução francesa, pg. 390-392), catarse é “uma expulsão provocada de um
humor incômodo por sua superabundância”. Do mesmo modo que a música, a tragédia,
bem concebida, deve determinar no auditório, “que se deixou empolgar pelas paixões
expressas, um gozo que, no final do espetáculo, dá impressão de libertação e de calma, de
apaziguamento, como se a obra tivesse dado ocasião para o escoamento do excesso de
emoções...”
Se a frase cima não esclarece nem aprofunda o sentido do termo, pelo menos
serve como uma pista interessante para o estudo das origens da concepção “hidráulicainstintivista”
da motivação.
Segundo ainda Moreno (Psicodrama, pg. 63) é em vão que se procura em toda a
poética uma ampliação das magras referências à catarse... “A Poética é um ensaio sobre
poesia, não sobre catarse. Mesmo no domínio da poesia, Aristóteles estava interessado
nas formas finais dela, e não em suas origens. Se estivesse, ‘De Poética’ ter-se-ia
convertido em ‘De Catharsis’”. Moreno acrescenta ainda que Aristóteles, como analista
da conversa dramática, apreciava a estrutura formal do legítimo drama, mas não
descrevia o seu status nascendi: “A catarse não é para ele um fenômeno, e sim um efeito
secundário da poesia sobre o leitor ou o espectador”.
S. Freud
Mas o grande reforço, que levou definitivamente o termo dos terrenos da arte para
os da psicologia e da terapia, foi aquele proporcionado por Breuer e Freud, a partir dos
primórdios da psicanálise. A primeira vez que o termo apareceu na literatura psicanalítica
– e segundo E. Jones, em sua biografia de Freud, por idéia de Breuer – foi no estudo
“Sobre o Mecanismo Psíquico dos Fenômenos Histéricos: Comunicação
Preliminar”(1893), escrito a quatro mãos (Breuer e Freud).
O trecho é o seguinte:
“A primeira vista parece extraordinário que fatos experimentados há tanto tempo
devam continuar a atuar de forma tão intensa – que sua lembrança não esteja sujeita ao
processo de desgaste ao qual, afinal de contas, vemos todas as nossas recordações
sucumbirem. As considerações que se seguem talvez possam tornar isso um pouco mais
inteligível.
O esmaecimento de uma lembrança, ou a perda de sua emoção, depende de vários
fatores. O mais importante destes é se houve uma reação energética ao fato que provoca
uma emoção. Pelo termo ‘reação’ compreendemos aqui toda a classe de reflexos
voluntários e involuntários - das lágrimas a atos de vingança – nos quais, como a
experiência nos mostra, as emoções são descarregadas. Se esta reação ocorrer em grau
suficiente, grande parte da emoção desaparece como resultado. O uso lingüístico
comprova esse fato de observação diária com frases tais como ‘desabafar através do
pranto’ (‘sich ausweinem’) e ‘desabafar através de um ato de cólera’ (‘sich austoben’,
literalmente ‘esvair-se de cólera’)”.
E prosseguem os autores, concluindo:
“Se a reação for reprimida, a emoção permanece vinculada à lembrança. Uma
ofensa que tenha sido revidada, até mesmo por palavras, é recordada bem diferentemente
daquele que teve de ser aceita. A linguagem também reconhece essa distinção, em suas
conseqüências mentais e físicas; de maneira bem característica ela descreve uma injúria
que foi sofrida em silêncio como ‘uma mortificação’ (‘kränkung’, literalmente, ‘fazendo
adoecer’) – a reação da pessoa agravada em relação ao trauma somente exerce um efeito
inteiramente ‘catártico’ se for uma reação adequada – como, por exemplo, a vingança.
Mas a linguagem serve de substituto para a ação; com sua ajuda, uma emoção pode ser
‘abreagida” quase que com a mesma eficácia. Em outros casos, falar é por si mesmo o
reflexo adequado, quando, por exemplo, essa fala corresponde a um lamento ou à
enunciação de um segredo atormentador, por exemplo, uma confissão. Se não houver tal
reação, quer em ações, quer em palavras, ou nos casos mais benignos por meio de
lágrimas, qualquer lembrança do fato retém sua tonalidade afetiva”.
Vimos, assim, nessa primeira e longa citação, a catarse fora dos palcos e trazida
para o cotidiano. Em termos patológicos, no caso da histeria, por vários motivos não teria
havido um descarregador adequado. O afeto – a emoção – permaneceria num estado
estrangulado, e a lembrança da experiência à qual ele está ligada permaneceria isolada da
consciência. Observaram os autores que os sintomas histéricos individuais desapareciam
imediatamente e permanentemente quando o paciente conseguia evocar – ainda que sob
estado hipnóide – a lembrança do fato que os provocou e despertar a emoção que os
acompanhava, com o paciente descrevendo o fato com a maior quantidade de detalhes
possíveis e traduzindo a emoção em palavras.
Este método psicoterápico – catártico – teria efeito curativo “pela eliminação da
eficácia (patogênica) da idéia que não fora abregida, por ocasião da experiência
traumática, permitindo que sua emoção estrangulada encontre uma saída através da fala;
e submete essa idéia à correção associativa, introduzindo-a na consciência normal (sob a
hipnose leve) ou eliminando-a por sugestão do médico, como se faz no sonambulismo
acompanhado de amnésia” (Estudos sobre a Histeria).
Numa analogia médica, é como se uma pessoa ingerisse um alimento estragado –
“traumatizante”. A solução adequada e imediata seria vomitá-lo, um desconforto
passageiro que solucionaria o problema. Mas, por alguma razão, o indivíduo ‘engole’ o
alimento e o retém. Segue-se uma indisposição estomacal/intestinal, mal-estar, possível
febre, etc., ou seja, todos aqueles sintomas que acompanham uma intoxicação alimentar.
É como se fosse possível, analogamente, a um histérico engolir um ‘trauma-alimento’ e
permanecer intoxicado ‘psiquicamente’ por um longo tempo. E a cura adviria com o
médico provocando o vômito curador colocando o dedo na ‘garganta-lembrança
reprimida’ do paciente.
Mas como Freud observou mais tarde, isso apenas – a catarse – não era suficiente.
Os doentes teimavam em ingerir novos alimentos-traumas, e o ataque sintoma-porsintoma
se mostrava uma tarefa infindável.
Não é que Freud tenha rejeitado por completo o método catártico, ele apenas
conscientizou-se das suas limitações, isto é, embora útil para alívio sintomático, carecia
de importância no processo de descoberta das causas reais da histeria. Para tal, seriam
necessárias outras técnicas, mais cognitivas, que propiciassem ao ego e possibilidade de
lidar realisticamente com as forças inconscientes propulsoras da neurose.
Como salientou Nichols, M. (1975): “Catharsis held a central role early in the
evolution of psychoanalytic therapy but has since receded in importance. This
diminishing regard for the significance of catharsis and the hypnotic procedure occurred
as interest developed in understanding the etiology of symptoms, the process of
resistance, and the way resistances could be overcome to the troublesome unconscious”.
Examinemos agora o que Freud falou especificamente a respeito de uma possível

catarse da agressão. Ainda nos estudos sobre a histeria, ou seja, antes da sua formulação
da função da agressão, Freud falava da existência de um “instinto de vingança”, muito
poderoso, e antes disfarçado do que reprimido pela civilização, e que na verdade nada
mais seria que a excitação de um reflexo não liberado, de maneira semelhante ao que
ocorre às demais emoções, quando não catartizadas. Ou seja, o ato de agredir um
adversário seria a ação psíquica adequada, mas se o mesmo fosse realizado
insuficientemente – ou não fosse – o “instinto de vingança” surgiria como impulso
volitivo irracional. Havendo no entanto a devida liberação, a natureza irracional do
impulso já consciente se veria esvaída.
Posteriormente, no entanto, a idéia da catarse para a agressão mudava, à medida
que evoluía também a concepção de agressão para Freud. Resumidamente, temos
primeiramente um período onde a agressividade era considerada como um dos “instintos
componentes” do instinto sexual (“Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”), não
havendo assim um instinto agressivo distinto, nos moldes dos já existentes – instinto de
conservação e de sexo. Esta posição, no entanto, seria deixada de lado por volta de 1920,
quando Freud iniciava uma revisão de sua teoria dos instintos, que viria a se concretizar
quando do lançamento de “O Mal-Estar na Cultura”, onde Freud confessava estar
convencido de que, além daqueles instintos preservadores da substância viva, existiria um
outro instinto contrário, voltado para a dissolução do organismo, levando-o de volta ao
estado primordial e inorgânico, denominado Pulsão de Morte ou pulsão destrutiva.
Convém sublinhar que o termo equivalente, Thanatos, não foi utilizado por Freud. Tratase
na verdade de contribuição posterior, aduzida por P. Federn.
E quanto à possibilidade de uma eliminação catártica desta pulsão agressiva, o
que Freud dizia a respeito? Embora isso fosse esperado, haja vista a natureza do edifício
teórico erigido, Freud, tirante uma oportunidade, como veremos no parágrafo seguinte,
não levou objetivamente em consideração a possibilidade de uma real diminuição de um
potencial agressivo via uma ab-reação ou via um deslocamento que proporcionasse
efeitos catárticos. Nem na famosa carta-resposta a Einstein – “Why War” – quando Freud
procurava apontar possíveis soluções – (a) através da criação de uma autoridade central, a
que se transferisse a possibilidade de julgamento de conflitos, (b) pela anulação da pulsão
de morte pelo seu instinto oposto, Eros, (c) por uma melhor educação inibidora das elites
responsáveis e (d) por um desenvolvimento evolutivo da cultura – frisava ele a utilização
da catarse. É verdade que no artigo em questão a preocupação era a agressão em larga
escala, sistematicamente e altamente destrutiva: a agressão da guerra.
Mas é verdade também que, alguns anos antes, Freud escrevia: “O instinto de
destruição, moderado e domesticado, por assim dizer, inibido no seu objetivo, deve,
quando é dirigido rumo aos objetos, oferecer ao ego satisfação de suas vitais necessidades
e controle sobre a natureza”(“Civilização e Seus Descontentes”, 1930). Fromm, em seu
livro “Anatomia da Destrutividade Humana”, comenta o trecho acima citado,
considerando-o como um caso real de sublimação, um desvio de energia para um objeto
sexualmente aceito. Fromm aponta ainda no trecho uma falta de clareza e de explicitação,
principalmente no que toca à definição de “controle da natureza”, termo por demais vago
e indefinido.
Assim, se nosso entendimento da passagem é correto, Freud supõe que a
possibilidade de um ser humano agredir seu vizinho decresce à medida que essa energia
seja desviada para objetivos outros, num processo similar à sublimação da libido.
Controlar a natureza (construção de diques, colheitas, domesticação de animais) passa a
ser o objetivo que desvanece a energia da pulsão agressiva.
Na verdade, estamos diante de um modelo (hidráulico) que supõe a existência de
um reservatório armazenador de energia. A hostilidade – e demais emoções – se não são
descarregadas, vão acumulando tensões até níveis comprometedores à sanidade do
organismo. A descarga - seja pela saída adequada, seja por saídas substitutivas – diminui
o nível de tensão existente. “Não se faz isto (privação da satisfação de um instinto)
impunemente. Se a perda não for economicamente compensada, pode-se ficar certo de
que sérios distúrbios decorrerão disto” (Freud, em “Civilização e seus Descontentes”).
Assim, o termo catarse também é aplicado aqui, neste contexto, isto é, de
atividades não-agressivas ou apenas simbolicamente ligadas à agressividade, mas que
tenham a ver com a possível redução de um quantum de energia agressiva. Contribuições
posteriores, dentro da própria psicanálise (Storr) e fora dela, principalmente da teoria da
frustração-agressão do grupo de Yale, vieram reforçar esta idéia. Ou seja, a catarse passa
a ser também – usando uma terminologia psicanalítica – uma propriedade de
deslocamentos ou ainda um sinônimo de “sublimação da pulsão de morte”. Coloco o
termo entre aspas porque Freud não usou o termo “sublimação” em contexto com a
pulsão de morte. É interessante ressaltar esta afirmativa: Freud nunca utilizou a catarse
quando se referiu à pulsão destrutiva! E no entanto, esta é uma das idéias mais
amplamente divulgadas e difundidas dentro e fora da psicologia. M. Quanty, por
exemplo, em seu recente artigo “Aggression Catharsis: Experimental Investigations and
Implications”, inicia sua revisão histórica do assunto com a seguinte frase: “Sigmund
Freud , who popularized the notion of aggression catharsis, accepted the idea that
symbolic aggression catharsis was possible but felt that direct expression of hostile
feelings produced optimal catharsis...”
Acreditamos que esta confusão tenha provido da própria falta de clareza e de
explicitação que acompanha a explanação da pulsão de morte. Como ressaltamos há
pouco, a concepção hidráulica subentende a idéia de que a expressão da agressão provê
uma saída para os impulsos destrutivos; não fazê-lo implicaria em real comprometimento
à sanidade do organismo; posteriormente, Freud procura outras soluções neutralizadoras
da pulsão de morte que não sua pura e perigosa expressão, e ao fazê-lo, no entanto, não
considera a possibilidade de haver uma catarse. Resumindo: teoricamente possível, pelo
que a teoria subentende, mas concretamente não-afirmado pelo próprio criador da teoria.
Etologia e Agressão
“O homem possui um número imenso e manifesto de fontes independentes de
impulsos. Muitas delas remontam a um programa de comportamento adquirido durante a
filogênese, os “instintos” (Konrad Lorenz, 1973).
Konrad Lorenz, um dos principais expoentes da etologia, defende em seu bestseller
“On Aggression” a posição de que existe nos animais e nos seres humanos uma
pulsão agressiva . Esta determina um acúmulo interno de tensão que necessita de
descarga periódica. Esta posição instintivista distingue-se da posição Freudiana
principalmente no que toca à finalidade da pulsão agressiva. Enquanto que para Freud a
agressão era uma pulsão de morte que teria a mesma origem que a pulsão de vida, mas
que atuaria de forma justamente oposta – em direção ao inorgânico – para Lorenz, a
agressão é um instinto cuja meta, como a de todos os demais instintos, é a de conservar a
vida e a espécie. Especificamente, a pulsão agressiva estaria relacionada à seleção
natural, a uma distribuição mais uniforme do espaço vital disponível (agressão intraespecífica)
e à formação de ordens hierárquicas que têm a função de conferir uma
melhor estrutura ao grupo. De especial interessa aqui é a ênfase em que a pulsão de
agressão não se constitui em uma reação a estímulos que vêm de fora, e sim, ao contrário,
é proveniente de uma excitação elaborada internamente, que será liberada por um
determinado estímulo-sinal. E que quando um comportamento instintivo é interrompido
durante um certo tempo, o limiar dos estímulos que o deflagram diminui. Essa
diminuição do limiar pode, segundo Lorenz, em certos casos, aproximar-se do valor zero,
isto é, o movimento instintivo pode iniciar-se sem que haja qualquer estímulo exterior
(comportamento no vácuo).
O comportamento agressivo intra-específico, entre os animais, não implica em
perigo de destruição e de matança, e, conseqüentemente, não põe em risco a conservação
da espécie, devido à existência de certas pautas de comportamento que são inibidoras, ou
melhor, que tornam inofensiva e não-letal esta pulsão.
É o caso, por exemplo, da ritualização ou “cerimonialização”, onde os animais
encenam uma luta mesclando gestos de ataque, de apaziguamento e até de ataque a
“objetos substitutos”. Segundo Lorenz, estes gestos pacificadores acontecem entre os
mais diversos vertebrados. A pulsão agressiva não diminuiria em intensidade, mas a
conduta de luta ritualizada e convertida em jogo mediante certos sistemas reguladores, a
tornariam inofensiva.
E estas pautas comportamentais, descobertas entre os animais, serviriam também,
ainda que com “distintos matizes”, para explicar o comportamento humano. Também nós
somos dotados de diversos instintos, inclusive o agressivo. No homem, certas condições
particulares, em termos evolutivos, vieram perturbar a harmonia do processo de tornar
inofensiva a pulsão agressiva. Houve uma defasagem entre o rápido progresso cultural
tecnológico e a adequação do arsenal instintivo ao mundo sempre em transformação. Ou
seja, no homem, os mecanismos inibitórios perderam sua eficácia. O instinto agressivo
tornou-se “grotescamente exagerado” e passou a “funcionar sem controle”: “Na evolução
humana não havia necessidade de mecanismos inibitórios que proibissem o repentino
assassinato, pois este era de qualquer modo impossível; a vítima potencial tinha
oportunidade suficiente para despertar a piedade do agressor, através do gesto de
submissão e de atitudes de apaziguamento. Na pré-história da humanidade não surgiu
pressão de seleção para o desenvolvimento de mecanismos de inibição que impedissem o
assassinato de indivíduos da mesma espécie, até que, repentinamente, a invenção de
armas artificiais perturbou o equilíbrio entre o potencial para matar e inibições sociais”-
Konrad Lorenz (1968).
Vejamos agora as possíveis soluções apresentadas por Lorenz para que haja uma
adequada neutralização da agressão. Primeiramente, o que não é possível fazer: assim
como Freud, Lorenz propõe que o fracasso em expressar a agressão é patogênico. Uma
caixa d’água permanentemente alimentada e sem escoadouros serve como analogia para
este raciocínio. O uso de drogas também não seria indicado por reduzir a níveis
inferiores ao necessário a agressividade humana. O simples exercício de não-frustração,
idem, pelo fato de a agressão não ser apenas reativa.
Com relação ao outro lado da moeda, Lorenz propôs algumas medidas ou
“soluções” para tornar a agressividade inofensiva. Dentre estas, as que mais nos
interessam aqui são a possibilidade de sublimação e de re-orientação da pulsão agressiva.
Como vemos nestas duas citações, retiradas de “On Aggression”: (1) “A agressão opõe
menos dificuldades do que a maioria dos demais instintos a aceitar objetos substitutivos,
satisfazendo-se plenamente com estes”; (2) “Aos gregos da antiguidade era familiar o
conceito de catharsis ou descarga purificadora, e os psicanalistas sabem bem que muitas
ações perfeitamente recomendáveis vão buscar a sua energia à “sublimação” de pulsões
agressivas ou sexuais”. E ainda mais:
“Não deve no entanto confundir-se a sublimação com a simples re-orientação de
uma atividade pulsional para um objeto de substituição. Existe uma diferença essencial
entre o homem que, em vez de dar um soco na cara do seu antagonista, dá um murro na
mesa e o homem que descarrega a agressão provocada por uma vida de família irritante
escrevendo um entusiástico panfleto que serve a uma causa totalmente independente”.
Os trechos acima citados são, segundo o autor, os métodos mais simples e
eficazes de desarmar a agressão. Com relação ao primeiro deles, re-orientação, termo
tomado emprestado a Tinbergen, não há dúvidas: se o rosto de meu adversário é ina
cessível, o tampo da mesa não o é, e o soco é desferido. Um quantum de energia
agressiva é descarregado e o indivíduo se sentiria melhor. Com relação à sublimação,
como bem salienta Erich Fromm (1975), Lorenz não se estendeu e nem procurou explicar
exatamente, além do texto supracitado, como se daria este processo. Na ausência de uma
elaboração própria, poderíamos acreditar que Lorenz esteja se referindo ao processo
exatamente como proposto na psicanálise, e que analisamos há pouco? De qualquer
modo, não se sabe como se daria, para Lorenz, esta sublimação.
Um outro conceito do arsenal lorenziano que precisamos examinar, por estar
ligado à “descarga catártica das pulsões agressivas” através do desporto é o de
“entusiasmo militante”. Este seria uma forma particular de agressão, mas dizendo
respeito a uma poderosa emoção sentida pelo indivíduo, emoção tão forte que suplantaria
de longe quaisquer apelos de ordem racional ou lógica. Filogeneticamente, seria uma
evolução a partir de uma reação de defesa coletiva dos antepassados pré-humanos. Em
termos individuais, além de aspectos subjetivos, identificam-se também correlatamente
outros fenômenos corporais: tônus muscular aumentado, cabeça erguida, queixo
avançado, braços afastados do corpo etc... Esse entusiasmo militante, principalmente, é
que necessitaria ser escoado e canalizado, caso contrário, levaria o homem ao combate e
à guerra. E a forma sugerida por Lorenz para escoar tal sentimento, sem que haja uma
perda qualitativa do mesmo, seria através da prática de esportes. As competições
esportivas forneceriam escape ao entusiasmo militante e combativo das nações. Jogos
olímpicos, copas do mundo de futebol, lutas de boxe, competições atléticas e esportivas
em geral seriam exemplos pertinentes, análogos às lutas ritualizadas dos animais. Uma
copa do mundo nada mais seria do que um país mandar “à frente do combate” os seus
melhores “lutadores” daquela modalidade. Na “liça” o melhor vence, segundo regras
bem-estipuladas e religiosamente seguidas, com pouco ou nenhum derramamento de
sangue. As competições – conflitos disfarçados – deveriam ser incentivadas, já que sua
principal função é a descarga catártica. Além disso, como subproduto desejável, as
competições internacionais levariam indivíduos pertencentes a nações ou partidos
diferentes a se conhecerem melhor pessoalmente e “uniriam indivíduos numa causa
comum, que de outro modo pouco em comum teriam” (“On Aggression”). É interessante
notar que Sigmund Freud, em “Why War” tenha esboçado a identificação emocional
como um neutralizador da pulsão agressiva (“O segundo vínculo emocional é o que
utiliza a identificação. Tudo o que leva os homens a compartilhar de interesses
importantes produz essa comunhão de sentimentos, essas identificações... Tudo o que
favorece o estreitamento dos vínculos emocionais entre os homens deve atuar contra a
guerra”).
Como veremos em outra seção, no entanto, inúmeros experimentos realizados por
pesquisadores radicados à posição da Aprendizagem Social não têm encontrado subsídios
à noção de que a prática de atividade física e vigorosa seja redutora de impulsos
agressivos. Examinaremos posteriormente essas pesquisas.
O próprio Lorenz, em entrevista concedida a R. Evans, em 1974, reconsiderou
parcialmente sua posição, pelo menos com relação à catarse vicária (“Nowadays, I have
strong doubts whether watching aggressive behaviour, even in the guise of sport, has any
cathartic effect at all”). De fato, uma coisa é assistir a um jogo, e outra coisa é jogar. O
termo catarse também tem sido empregado neste sentido – vicário ou passivo – que aliás
se aproxima em muito do sentido original aristotélico. Após o exame das principais
posições teóricas, voltaremos ao assunto procurando resumir e analisar todas as acepções
do termo.
Com relação ao “entusiasmo militante”, isto é, `tentativa de isolar uma emoção da
guerra no homem, a emoção que antecede e acompanha a predisposição humana ao ato
agressivo, consideramos que faltou ou falta maior explicitação do termo, que o faça
menos vago e impreciso e tão sujeito a interpretações variadas. A idéia, no entanto, de
procurar uma emoção específica que não a raiva que esteja ligada à gênese do ato
agressivo nos parece interessante e promissora. Ocorre-nos também por outro lado que é
possível situar a competição apenas como mais um caso de re-orientação ou de
sublimação, ou seja, sem lançar mão do conceito acima exposto (1). Suponhamos por
exemplo um indivíduo frustrado de manhã – recebeu seu imposto predial majorado em
100% - e que se proponha a jogar tênis ou futebol à tarde. A resposta correta ou adequada
– satisfatória – seria ir contra quem criou a lei. Agredir uma bola com uma violenta
raquetada ou com um certeiro pontapé, derrotar um adversário com uma bola bem
colocada ou ganhar uma disputa no corpo-a-corpo bem pode ser considerado um simples
caso de re-orientação. A diferença é que no esporte o indivíduo será punido no máximo
com uma falta ou um pênalti, e jamais com a desapropriação do seu imóvel ou a prisão
por desacato à autoridade: chutar uma bola é agressivo mas também é inofensivo. E a
expressão “entusiasmo militante” poderia ser confinada a aquele entusiasmo que o
soldado ou o jogador de futebol deve sentir quando ouve o hino do seu país antes da
batalha esportiva (ou não) acontecer, mas que em essência não diferiria do entusiasmo
comum, o mesmo de se ver o time ganhar ou de se marcar um gol de bicicleta. Mas esse
entusiasmo subjacente a determinados atos necessitaria ser purgado? Aqui também, a
nosso ver, Lorenz não se estendeu suficientemente para que possamos dizer com
segurança que a referida emoção se produz constantemente no organismo ou se é
concomitante à pulsão agressiva, o que em termos de efeito significaria a mesma coisa,
ou mais, se seria uma emoção que surgiria (sempre?) quando diante de certas condições
específicas que funcionariam como verdadeiros “estímulos-sinal”.
O que estamos querendo dizer exatamente é que não está suficientemente claro se
este “frêmito sagrado” obedece às mesmas leis que regem a pulsão agressiva – como aliás
é o que parece que Lorenz acredita – ou se, ao contrário, seria apenas reacional, e neste
caso, não necessitando de descargas periódicas, mantenedoras de um nível ótimo.
Mas, além de Lorenz, dois outros autores ligados ao ramo da etologia – Eibl-
Eibesfeldt e N. Tinbergen – manifestaram-se com relação à catarse. Eibl-Eibesfeldt
esposa também a idéia de que a agressão não é apenas uma mera reação a determinados
estímulos, mas, com relação à catarse, defende a seguinte posição: para ele, de fato, pode
haver um relaxamento de tensão após um indivíduo expressar a sua raiva ou de algum
modo descarregar seus impulsos agressivos contra o agressor ou agente frustrante. Mas
esta relaxação será de curta duração, como sucede com os demais atos instintivos. A
longo prazo, esta possibilidade de descarregar impulsos agressivos contribuiria apenas
para que haja um adestramento para a agressão: Eibl acredita que permitir às crianças que
descarreguem a seu bel-prazer seus impulsos agressivos, na crença de que assim se
tornarão adultos pacíficos, não se justifica, uma vez que não existem indícios seguros de
efeitos catárticos a longo prazo. Esta posição – que fala da possibilidade de haver um
adestramento – como veremos adiante, é similar à posição adotada pela teoria da
aprendizagem.
Com relação às práticas esportivas, no entanto, o autor não nega que veria com
bons olhos um aprofundamento das pesquisas de Feshbach (referindo-se a assistir a
práticas esportivas) e de pesquisas com relação a um envolvimento real em atividades
desportivas, na tentativa de obter possíveis canais para descarregar a agressividade.
Assim, o autor acredita que, aqui, as freqüentes catarses funcionariam mormente
devido à inofensividade desses dois tipos de atividade, onde seria até desejável um
adestramento conseqüente a um reforçamento. No esporte – praticar ou assistir –
descarregar a agressividade não acarretaria grandes danos à humanidade. Infelizmente,
porém, como veremos em outra seção, os dados experimentais obtidos nestas duas áreas
são ainda bastante conflitantes.
Tinbergen, ao se referir aos possíveis meios de minimizar a agressividade
humana, coloca-se a priori ao lado de Lorenz (“En mi opinión, Lorenz tiene razón al
declarar que la supresión por médio de la educación del impulso interno de luta revelará
ser muy dificil, si no imposible”, 1968). Os movimentos desviados – re-orientados –
seriam um instrutivo exemplo do mundo animal a ser imitado pelos seres humanos.
Segundo Tinbergen, esse desviar pressupõe algo semelhante à sublimação. Para ele
sublimação nada mais é do que um juízo de valor que é conferido a esse desvio. A luta
dos holandeses contra o mar, dos cientistas em seus objetivos comuns e do programa
espacial são exemplos dessa sublimação.
A diferença fundamental entre Lorenz e Tinbergen é que este não acha que o
ataque desviado esgota o impulso agressivo. E mais, as disputas esportivas, por exemplo,
além do efeito declínio de tensão, trazem antagonicamente em seu bojo, um “efeito de
auto-inflamação”, isto é, de aumento de excitabilidade e de tensão. Mas aqui,
similarmente ao que pensa Eibl-Eibesfeldt, não haveria grandes problemas, já que se
trata, em última análise, de atividades inofensivas, ou pelo menos muito pouco perigosas.
Como diz Tinbergen: “Não se trata de eliminar a agressividade, e sim de extrair o seu
veneno”. Uma Copa do Mundo não inicia uma guerra. Os vitoriosos saem dela contentes
e sem tensão e os perdedores eliminam a dor de sua frustração com planos de vingança e
melhoria para a próxima Copa.
Ainda com relação à sublimação, outra proposta original do autor é que
deveríamos incentivar a investigação científica. A investigação de nossos próprios
problemas comportamentais, unindo toda a população mundial, numa espécie de
“corrente pra frente” é que ofereceria as melhores oportunidades para desviar e sublimar
nossa agressão.
A nosso ver, porém, a proposta é tão original quanto de difícil execução. A
maioria das pessoas deve preferir a “catarse via esporte”, não porque não tenham ainda
descoberto as maravilhas da ciência, e sim porque o esporte é de fato mais agradável, e
por várias razões. Ciência não só ainda não é a maior diversão, como dificilmente poderá
vir a sê-lo, mormente quando sabemos que o índice de analfabetismo no mundo inteiro
constitui um número de muitos zeros.
Um ponto, no entanto, a favor de Tinbergen é a percepção do efeito que ele
denominou de “auto-inflamação”, que ocorreria dentro das competições esportivas. Foi o
primeiro etólogo a reconhecer e a tentar explicar o aparente antagonismo do esporte
como possuidor de efeitos catárticos e excitadores ao mesmo tempo.
Grupo de Yale: frustração e agressão
Defendendo uma posição distinta das esposadas até agora, o Grupo de Yale – J.
Dollard, L. Doob, N. Miller, O.H. Mowrer e R. Sears, em 1939, através da monografia
“Frustração e Agressão” e posterior revisão de Miller, em 1941 – vê a agressão como
reativa. Isto é, a motivação para a agressão não está sempre presente e atuante: ela é
produzida por estimulação externa. Não mais se trata da possível existência de uma fonte
geradora de energia no sistema nervoso central, permanente e automática, e sim de uma
reação dita emergente quando o indivíduo se vê confrontado por certas situações
específicas.
A ênfase na frustração como desencadeante do comportamento agressivo é a
“pièce de resistence” desta posição, que é uma curiosa mistura de conceitos freudianos
levados para o campo do behaviorismo. O objetivo, ou melhor, a proposição desta escola
baseia-se na defesa de uma teoria reativa da agressão, procurando uma definição mais
precisa dos conceitos fundamentais básicos envolvidos e na tentativa de postular
hipóteses testáveis. Basicamente – já levando-se em conta os esclarecimentos posteriores
de Miller – a frustração (impedimento na consecução de um objetivo) é um estímulo para
a agressão, embora não o único.
Não vamos nos deter aqui em particularidades e nas discussões surgidas em torno
desta popular hipótese, com relação à exatidão da definição de frustração e demais
termos, a excessiva simplicidade da proposição original, a queda forçada de poder de
predição da teoria, após a revisão de 1941, além de outras críticas, pela única razão de
que esses tópicos já são por demais ventilados e conhecidos. O que mais nos interessa
aqui é justamente aquilo que a teoria se propõe a falar sobre catarse. Os teóricos da F-A
aceitavam a noção de uma possível catarse no comportamento agressivo. Influenciados
pelo pensamento psicanalítico, supunham: (1) a possibilidade de haver uma formação de
instigação residual, de frustrações anteriores ou simultâneas, cuja instigação se somaria
para ativar uma resposta agressiva, (2) a possibilidade de deslocar um ato agressivo para
um objeto distinto do agente frustrador ou de expressá-lo sob forma modificada,
socialmente aprovada, algo assim como a “sublimação, (3) a noção de que a ocorrência
de qualquer ato agressivo deve reduzir a instigação para a agressão.
Estas idéias lembram com certa fidelidade as hipóteses de Freud e de Lorenz
sobre as “válvulas de escape”.
Um ponto ainda se nos afigura merecedor de atenção, antes de discutirmos estes
três tópicos acima citados. É o papel da emoção, dentro deste princípio teórico, isto é, se
a agressão é uma resposta aprendida à frustração ou se está subentendida uma emoção
funcionalmente motivacional. Segundo Scherer, K.R. e Abeles, R.P., em 1975, os
psicólogos de Yale nunca foram suficientemente claros a este respeito. Simplesmente
postularam uma relação causal universal entre frustração e agressão, dando ênfase, é
claro, ao peso do aprendizado, mas também não invalidando a possibilidade de uma base
inata para a evocação da emoção raiva/ódio por frustração. Tanto assim que a dita
“agressão instrumental”, na qual o indivíduo agride deliberadamente alguém ou algo com
fins de roubo, por exemplo, foi excluída, por não ser uma agressão reativa a um evento
frustrante. Ou melhor, a agressão instrumental ou aprendida não lhes interessava, na
medida em que não se relacionava à diminuição de uma instigação produzida por uma
frustração, já que não havia uma frustração dita original. Veremos adiante a distinção
entre agressão instrumental e agressão de cólera. Berkowitz, a quem estudaremos em
seguida, acentuou também a questão da emoção. Segundo ele, trata-se de uma séria
omissão dos psicólogos de Yale: “They attempted to deal with aggressive reactions to
frustration without referring to any emotional state, such as anger intervening between
the thwarting and the hostile acts. Mowrer, onde of the original authors of the theory,
later came to realize that the neglect of these emotional responses raises more problems
than it solves”. (Berkowitz, 1962).
Mais do que uma omissão, podemos encontrar nesse princípio teórico uma
verdadeira contradição, ao examinarmos a citação quanto ao efeito somático de repetidas
frustrações. Como se sabe, um dos pressupostos da F-A, visto acima, é de que a
quantidade ou força da resposta agressiva depende em parte da quantidade residual de
frustrações anteriores ou simultâneas, que se vão somando. Assim, pequenas frustrações
se unem para provocar às vezes uma resposta agressiva de muito maior intensidade do
que seria de se esperar, quando o indivíduo se vê diante de determinada frustração, que
normalmente provocaria apenas pequena reação agressiva (segundo os autores, a variável
tempo seria de grande importância aqui, isto é, quanto mais frustrações em menor tempo,
maior o afeto). O que queremos mostrar aqui é que absolutamente não está claro como
estas frustrações vão-se acumulando, uma vez que o modelo teórico embasador,
behaviorista, não prevê nenhum reservatório de frustrações. Esta noção de represa está
muito mais associada ao modelo psicanalítico. Mas não é só o reservatório que é um
problema: seu conteúdo também o é, ou seja, o reservatório está cheio de quê? De
emoções, no caso a raiva, proveniente das frustrações? Decerto é a primeira ou única
idéia que nos vem à mente. Mas o problema é que esta emoção – raiva, ódio, ira, etc. –
não se encontra citada na teoria, a não ser na revisão de Miller, como instigação à
agressão. Utilizar emoção como sinônimo de instigação à agressão fica então sendo uma
rima e uma solução (sem embargo, os defensores da F-A foram posteriormente, pouco a
pouco, instituindo como definitiva a relação F – emoção, num sentido de quase um
“drive” aprendido, de modo que essa crítica acima exposta soa hoje, per se, por demais
simplista. A confusão de embasamento de modelos teóricos, no entanto, não nos parece
tão fácil de solucionar).
É claro também que têm havido discussões acerca da real existência ou não desses
efeitos somatórios, bem como de sua natureza. O próprio Miller pressupõe como hipótese
alternativa que, na verdade, uma frustração produz a tal instigação à agressão, bem como
outras respostas competitivas, que possam ser predominantes e assim inibir a resposta
instigação. Com o passar do tempo, à medida que essas outras respostas se mostrem
ineficazes em afastar o agente frustrante, a resposta “instigação à agressão” emergiria em
todo o seu esplendor e se faria presente. Ambas as hipóteses prevêem um mesmo fim, é
claro, mas a nosso ver a última se acha bem mais de acordo com o modelo behaviorista
que embasou a teoria.
Os itens restantes são os que falam da possibilidade de deslocar um ato agressivo
do alvo original, agente frustrador, para outros alvos mais acessíveis, o que deve reduzir a
instigação para a agressão através de um efeito dito catártico.
Enquanto a inibição de um ato agressivo funcionaria como uma frustração
adicional, que viria aumentar a instigação para a agressão, o ato agressivo,
principalmente contra o agente frustrador, seria a melhor maneira de diminuir a
instigação à agressão. A essa diminuição os autores denominaram então de “catarse”.
Não importa também que esta expressão da agressão seja dirigida a outros agentes que
não o frustrante: a catarse se dará do mesmo jeito. É claro que se o agente frustrador não
for eliminado rapidamente, a instigação à agressão retornará a níveis altos, prenunciando
novas descargas.
“Catarse” passa a ganhar assim um quarto sentido. Não mais se trata de assistir a
um drama, nem de vomitar uma lembrança afetiva traumática, nem de apenas deslocar a
agressividade para objetos neutros: o próprio ataque ao agente frustrante é catártico,
acepção que até agora não tinha sido conferida ao termo, ou melhor, não se cogitava de
aplicar o termo catarse ao que acontecia na agressão natural, espontânea, e sim, tãosomente,
a outras formas de agressão, sempre num contexto relacionado a uma reação
posterior ao evento. Analisaremos mais claramente esta distinção em outra seção.
Teoria da Aprendizagem Social –
A motivação para a agressão, vista através da antecipação das conseqüências de
um comportamento, sejam positivas e/ou negativas, constitui o enfoque dessa escola ou
deste modelo, batizado de “social learning”: “In the social learning analysis of motivation
incentives also constitute important impellers of action. A great deal of aggression is
prompted by its antecipated benefits. Here, the instigator is the pull of expected success
rather than the push of aversive treatment” (Bandura, 1973).
O interesse básico está voltado mais para as contingências de reforçamento
ambientais, que incidem sobre as respostas agressivas, do que para as fontes de instigação
e/ou drives agressivos internos. Às leis que regem, segundo o behaviorismo, os processos
de aprendizagem – condicionamento, padrões de reforçamento, discriminação,
generalização e extinção – acrescentam-se outras contribuições relacionadas à
modelação do comportamento pelo reforçamento seletivo e aprendizagem através da
observação e imitação de modelos (aprendizagem vicária).
Citamos apenas o behaviorismo, do modelo simplificado S-R, e sim a uma
abordagem mais atual, que inclui outras variáveis intervenientes ao processo, incluindo a
aquisição de “drives aprendidos” e o papel do incentivo. Convém deixar claro que os
autores a serem citados aqui, embora rotulados dentro desta posição, possuem idéias e
defendem matizes por vezes bem distintos. Berkowitz, por exemplo, uma das maiores
autoridades e estudiosos em agressão, seria melhor classificado como um adepto de uma
“F-A theory revisited”.
No entanto, para efeito de simplificação – e porque, em maior ou menor grau, dão
grande peso ao papel da aprendizagem (a própria F-A, devemos lembrar, realçava a idéia
de que a agressividade podia ser uma resposta aprendida, sendo mesmo considerada uma
teoria S-R liberalizada. A distinção feita aqui tem, pois, mais um cunho didático) –
veremos neste capítulo as contribuições de Bandura, Berkowitz e Feshbach,
principalmente.
Dentro de uma visão mais restrita com relação à aprendizagem (sem o aposto
“social” colocado por bandura e Walters), um dos primeiros behavioristas a teorizar a
respeito foi T.P Scott (1958). Para ele, o segredo da agressividade estava no reforçamento
histórico de recompensas e punições sofridas pelo indivíduo. O treinamento seria o
responsável pelo mais poderoso efeito possível: tanto no crescimento da motivação como
na repressão de atos agressivos. O melhor modo de controle da agressão seria o da
“inibição passiva”: um indivíduo forma o hábito de não lutar, simplesmente não lutando.
Scott, porém, defende vários pontos de vista incorporados à hipótese da F-A,
inclusive aqueles referentes ao deslocamento da agressividade através de saídas ditas
inofensivas e impessoais, tais como competições atléticas ou jogos mais suaves como o
xadrez ou jogos de cartas. Essas idéias, como veremos a seguir, foram posteriormente
descartadas.
Buss, A.H. (1961) reitera a força do hábito agressivo em função de antecedentes
históricos dos reforçamentos desses antecedentes (recompensas ou punições) e acrescenta
os fatores da facilitação social (normas culturais relativas à expressão da agressividade, o
que explicaria inclusive o porquê de diferenças encontradas entre homens e mulheres
nesta área) e de características de personalidade e de temperamento, tais como:
impulsividade, resistência à frustração, permissividade, etc... Buss ainda ficou famoso
pela sua definição de agressão, onde a intencionalidade do ato agressivo foi deixada de
lado, num belo exemplo de radicalismo comportamentista – a esse respeito, conferir
crítica de Rodrigues, A., 1972, pg. 366 (A bem da verdade, Buss reconsiderou mais tarde
essa posição: “Uma solução para o problema da definição de agressão seria abandonar o
termo, mas uma tentativa para afastá-lo resultou em considerável turvação das águas
teóricas... Uma solução alternativa é especificador, em termos objetivos, o sentido da
intenção. A intenção é INFERIDA através do exame de estímulos antecedentes `resposta
e de suas conseqüências”. Buss, “A Agressão Compensa?” in “Controle da Agressão e da
Violência”, Singer, 1971). E pela divisão – esta sim, bem profícua – da agressão em duas
partes distintas: a agressão instrumental e a agressão de cólera (1). Esta última, como
vimos há pouco, é a única que nos interessa aqui. Distintamente de Scott, Buss não
favorece a noção de saídas alternativas à agressividade. Cabe citar ainda uma terceira
invenção de Buss, no campo da metodologia: sua máquina da agressão (choques
elétricos), bastante utilizada em experimentos de laboratórios sobre a agressão.
Foram estes princípios, ou a partir destes princípios, que A. Bandura et al.,
estruturaram seu modelo explanatório da agressão. Tanto a percepção de que os conceitos
tradicionais da aprendizagem que não levavam em conta fatores mediacionais cognitivos
e de intenção, não fornecendo todas as respostas e soluções no problema, bem como a
idéia de que esse mesmo modelo, apesar disso, ainda era o melhor, cientificamente,
levaram Bandura e seus colegas da Universidade de Stanford à criação deste novo
modelo, que rapidamente ganhou a simpatia e a adesão de grande parte da comunidade
psicológica americana. Este autor nos é da maior importância, porque estudou
especificamente a possibilidade de haver ou não uma catarse dita vicária.
Como um “neo-behaviorista social”, Bandura propõe que o comportamento
agressivo – bem como os demais comportamento – seja controlado principalmente por
três sistemas. Citamos agora o excelente resumo de A. Biaggio, (1975): “O
comportamento agressivo seria controlado por três sistemas reguladores: fatores
antecedentes (estímulos), que levam o sujeito a se comportar de determinada maneira, o
feedback de respostas (contingência e reforço, incluindo o reforço vicário e o autoreforço),
e processos cognitivos que incluem a representação cognitiva das contingências
de reforço.
Biaggio apresenta ainda o seguinte diagrama adaptado de Bandura (1975, pg. 54):
Teoria da Aprendizagem Social
Experiências aversivas
(não apenas a frustração) - Excitação emocional Dependência
Realização
Fuga e resignação
Agressão
Conseqüências antecipadas - Motivação baseada em Psicossomatização
reforçamento Auto-anestesia com
drogas e álcool
Solução construtiva
de problemas
Antes de entrar em considerações específicas sobre o problema da agressividade,
convém sublinhar o excepcional relevo que Bandura rende ao papel da modelação no
comportamento em geral. Segundo o autor, a modelação – é claro que num sentido mais
amplo do que o de um simples mimetismo – é responsável por grande parte da
aprendizagem, mormente quanto a: (a) aquisição de novos comportamentos, tais como
resolver um problema através da observação de um sujeito que está aprendendo a
resolvê-lo; (b) efeitos inibitórios ou desinibitórios, conforme a observação do que
acontece aos modelos vistos; (c) facilitação de respostas já adquiridas (Bandura ilustra
este efeito com um exemplo interessante: basta alguém, de noite, interromper seu passeio,
apontar para o céu e iniciar uma ativa contemplação estelar, e logo várias pessoas farão o
mesmo, isto é, responderão de maneira similar); (d) excitação emocional: assistir a uma
luta, por exemplo, parece ter um efeito excitatório; (e) efeitos que realçam os estímulos:
aperfeiçoamento do modo de utilizar instrumentos como martelos, armas, etc...
Essas regras se aplicam ao comportamento agressivo – ou o comportamento
agressivo se aplica e se explica por essas regras: um comportamento agressivo é
aprendido conforme as leis acima explicitadas, pois segundo Bandura, as pessoas não
nascem com repertórios pré-formados de comportamentos agressivos. E nossa sociedade
oferece muito mais exemplos imitáveis de que a agressão compensa do que o contrário (e
compensa intermitentemente, o que torna bem mais difícil a extinção). E mais, o que vai
determinar a hora e a vez do surgimento do comportamento agressivo aprendido vai
depender em muito das circunstâncias sociais, isto é, o aprendizado e o desempenho não
andam temporalmente de mãos dadas. Um observador de atos violentos pode aprender
com isso como agredir eficientemente um colega inconveniente, e guardar esse novo
know-how por um bom tempo, antes que esse novo comportamento seja deflagrado.
(Hicks, D.J., 1965).
Este, aliás, é um dos pontos da proposição banduriana que ainda não foi
devidamente esclarecido. Mesmo em algumas ocasiões, onde uma agressão seria
recompensadora e portanto deveria aparecer naturalmente, isso nem sempre se verifica.
Uma das falhas deste modelo é que é difícil ainda predizer com segurança quando um
comportamento agressivo vai ocorrer na prática, em situações ditas de “vida real”. Com
relação a isto, Berkowitz foi um pouco mais adiante, procurando identificar algumas
situações ditas deflagradoras do comportamento agressivo.
Com relação à hipótese da F-A, Bandura revê o papel da frustração, substituindo
lucrativamente, a nosso ver, o termo anterior por outro mais geral: experiências aversivas,
termo este que engloba frustrações, insultos, ameaças, cessar de reforço, etc., e
colocando-se como condições facilitadoras e não necessárias ou suficientes à agressão.
Comparativamente à F-A, a teoria da aprendizagem social procura ir mais além, tentando
solucionar problemas ainda não resolvidos, tais como o de por que certas pessoas, ao
sofrerem uma mesma frustração, reagem tão diferentemente, sendo muito agressivas,
pouco agressivas ou não o sendo em absoluto. Aprendizado anterior/experiências prévias
explicariam tais diferenças, ou seja, o estado de excitação emocional provocado vai levar
a um comportamento x, dependendo do tipo de respostas que o indivíduo tenha
aprendido.
Em termos de controle, o autor em questão sugere a aplicação de princípios de
modelagem, principalmente com reforçamentos positivos (a punição excessiva tende a
reduzir apenas temporariamente a agressão). Esses princípios de modelagem devem
incluir o ensino de respostas alternativas, que não as respostas violentas.
E quanto à hipótese da catarse? Bem, Bandura concentrou-se na catarse
aristotélica, ou seja, na participação vicária, que prediz que assistir a atividades
agressivas diminui o número de agressões subseqüentes. E segundo ele, como se pode
depreender facilmente de seu enfoque teórico, a participação vicária aumenta e não
diminui a probabilidade de subseqüentes atos agressivos. Um indivíduo previamente
enfurecido, ou não, não estará menos propenso a subseqüentes agressões, após presenciar
cenas violentas, quer enfoquem reações de vítima ou do agressor (Hartmann, 1969).
Bandura et al. conduziram uma série de pesquisas nesse sentido – com sujeitos não
previamente enraivecidos (1961, 1963ª, 1963b, 1973), alcançando resultados
confirmadores de suas hipóteses. Além disso, citam também outros pesquisadores que
chegaram às mesmas conclusões: Lövas, 1961; Walter, S. e Llewellyn-Thomas, 1963.
Para os parcos resultados contraditórios (Feshbach, 1961-1964), Bandura propõe
explicações alternativas, relacionadas a processos inibitórios desenvolvidos por culpa
e/ou ansiedade, além de colocar em dúvida critérios de medidas de hostilidade em vez de
medidas que visam os comportamentos hostis.
Segundo ele, a popularidade da idéia catártica provém do fato de que as pessoas
reportam sentir um “alívio de tensão” após assistirem filmes agressivos. Isso se deveria
mais a um efeito de distração do que a uma diminuição de reservatório. Ou melhor, o
indivíduo, ao invés de ficar se remoendo com o insulto/ataque sofrido – o que o manteria
altamente excitado – procura outras atividades que o distraiam e dissipem aquela tensão
inicial. Jogar tênis, após uma chateação qualquer, pode diminuir a “tensão experenciada”
não por algum efeito purgatório, descarregador de emoções represadas, mas sim devido a
uma mudança de foco de interesse. Assim, como no exemplo acima, qualquer outra
atividade – assistir a um filme violento ou pornográfico, jogar frescobol ou assistir a uma
comédia teatral – competiria e dissiparia as emoções desagradáveis.
De modo que as previsões de Bandura vão em direção oposta às previsões da
hipótese de catarse. Veja-se, por exemplo, a seguinte citação, relacionada a crianças:
“Evidence from controlled research studies of children indicates that far from producing a
catharsis reduction of aggression, direct or vicarious participation in aggressive activities
within a permissive setting maintains the behavior at its original level and may actually
increase it”, Bandura e Walters, 1963. E relacionada a adultos:
“Findings from adults studies are less clear-out than those obtained with children.
Generally speaking, participation, direct or vicarious, by non-angered adults seems to
increase the incidence of subsequent aggression”, Bandura e Walters, 1963.
Assim, embora de uma maneira geral as teorias F-A e de aprendizagem social
possam ser mutuamente complementares, as predições com relação aos efeitos da
observação da violência constituem-se em um ponto crucial de divergências entre ambos
os enfoques teóricos.
L. Berkowitz –
Examinemos agora um dos teóricos que mais se têm dedicado ao estudo da
catarse: é o americano L. Berkowitz. Quanto à sua filiação teórica ao campo da agressão,
citamos uma frase de sua autoria, que acreditamos possa situar sua posição de modo
inequívoco: “One, I believe in the essential validity of the F-A hypothesis, although I
would modify it somewhat or severely restrict its scope. Two, with the Yale
psychologists, I prefer to define “frustration” as the blocking of ongoing goal-directed
activities”, Berkowitz, (1968).
Um adepto da F-A “revisited”, Berkowitz propõe que a frustração (redefinida)
produz um estado emocional – raiva – o qual aumenta a possibilidade de que ocorram
comportamentos específicos ditos agressivos. Agora, os atos agressivos vão ocorrer ou
não, dependendo da presença (ou não) de “external cues” (ex pressão traduzível por
pistas, “dicas” ou indicações ambientais). Estas pistas devem possuir características
previamente associadas à fonte de frustração ou à agressão em geral. Tanto podem ser
armas como estímulos associados a pessoas inimigas, hostis, ou ao próprio agente
frustrante (um nome similar, por exemplo). Um indivíduo aprende a associar
determinados estímulos a situações de agressão, normalmente, conforme as leis da
aprendizagem. Em geral, dentro de uma mesma comunidade, grupo social, cidade, etc.,
tais categorias de estímulos não divergem muito, de modo que o aprendizado leva os
indivíduos a associarem à agressão (em geral) os mesmos tipos de estímulos. Um punhal
é um punhal, aqui, em Palma de Mallorca, em Cambuquira ou em Kuala Lumpur. Já um
chinelo, no entanto, servirá como “dica” relacionada à agressão muito mais àqueles
indivíduos que ainda tiveram uma educação rigorosa, punitiva e “eivada de chineladas”,
do que aqueles que tiveram uma educação mais permissiva, onde um chinelo é um
chinelo, apenas um chinelo e nada mais do que um chinelo.
Nessa concepção, a cólera, per se, não é condição necessária e suficiente para o
deflagrar da resposta agressiva. Ela apenas produz uma espécie de estado de prontidão.
Aqui surge uma questão: essa raiva, que Berkowitz toma como forma equivalente
de instigação para a agressão, seria ela inata ou aprendida? Seria um “drive” inato ou
aprendido? Bandura, como vimos há pouco, por exemplo, minimiza os aspectos inatos
em prol de motivações baseadas em reforçamentos e expectativas de reforçamentos.
Radicalizando, poderíamos dizer que Bandura parece acreditar que uma pessoa aprende a
ser agressiva da mesma forma que aprende a montar um aparelho qualquer. Vendo
alguém montar um aparelho (desde que isso seja reforçado), o observador aprende a fazêlo.
Vendo um comportamento agressivo, o observador aprende a ser agressivo.
Berkowitz, no entanto, fala da existência de um “built-in-wiring diagram”
traduzível por diagrama de instalação elétrico, inato: “... selection pressures dating from
our pré-historic past may have lead to the genetic transmission of factors related to
aggression, but this factor might involve only a “wiring diagram”, a readiness to react in
a certain way to certain stimulus classes, rather than aggressive energy”, Berkowitz,
(1967). Reconhece assim o autor que certos determinados constitucionais se fazem
presentes no comportamento humano – que há qualquer coisa entre um estímulo e uma
resposta – provavelmente, um sistema articulado de caráter inato. Uma frustração gera
um drive agressivo, mas não conforme reza o modelo hidráulico (encher o tanque), e sim
num sentido até certo ponto similar ao conceito de estímulo-sinal em etologia. A
diferença é que aqui o processo se dá no interior do organismo com o energizar do tal
“wiring diagram”, colocando o organismo em prontidão para o comportamento agressivo.
E aqui acabam as semelhanças com o conceito de estímulo-sinal na etologia: para
Berkowitz, outros fatores é que vão determinar a ocorrência, o deflagrar da resposta
agressiva.
Berkowitz reconhece assim que certos tipos de estímulos (frustrações, por
exemplo) podem estar ligados instintivamente à resposta agressiva, ainda que
extremamente dependente de aprendizado. Para Berkowitz, instinto e aprendizado não
têm de estar necessariamente em pólos opostos. E concorda com as palavras de Miller,
citadas por ele mesmo em 1964: “It seems highly probable that... inate patterns exist, that
they play an important role in the development of human social behavior and that this
instinctual patterns are modifiable enough so that they tend to be disguised by learning,
although they may play crucial roles in motivating, facilitating and shaping socially
learned behavior”.
É preciso tornar claro, no entanto, para não trair a essência do pensamento
berkowitziano, que essa prontidão para o ataque não é filha apenas da frustração, ou seja,
um dos “pais” pode ser o hábito de responder agressivamente como na teoria de Bandura.
E que além disso tal prontidão transformar-se-á em realidade mediante certos sinais do
meio-ambiente. Aqui de novo encontramos ligeira semelhança com a noção etológica de
estímulos deflagradores. É verdade também que Berkowitz tem-se preocupado mais em
estudar o papel dessas “external cues” do que o problema da instigação à agressão.
Antes de examinarmos a posição específica de Berkowitz para com a catarse,
vejamos mais alguma de suas idéias relacionadas à agressão, e que indiretamente têm a
ver com o problema da catarse. Por exemplo: é sabido que Berkowitz aceita a idéia de
que a agressão pode surgir como um comportamento instrumental, um meio para se
atingir um fim, sem sinais de sentimentos hostis. Para ele, com relação à frustração
propriamente dita, o que importa não é a privação do reforço em si (comida, água, etc.) e
sim o fato de que determinadas satisfações antecipadas não se realizam, isto é, a
magnitude da frustração é proporcional às expectativas de sucesso do indivíduo. Também
são contribuições suas a influência do papel do medo e da interpretação que o indivíduo
dá à situação, no seu entender, variáveis importantes no processo.
Quanto ao papel somático de repetidas frustrações, há que se levar em conta
alguns aspectos não levantados originariamente por Dolard et al.. Algumas pesquisas não
conseguiram comprovar essa suposição, e segundo Berkowitz o que há é que quando o
indivíduo antecipa que irá sofrer uma frustração, essa antecipação diminui a força da
frustração, e conseqüentemente, a probabilidade de ocorrer uma resposta agressiva
(embora os efeitos de raiva realmente vão se somando, o que provocaria um equilíbrio de
forças. A possibilidade de haver respostas alternativas – adequadas ou não – também
pesaria na balança, conforme sugestão posterior de Miller).
“ Completion Tendency” –
Expressão traduzível por “tendência a completar uma ação”. Nas próprias
palavras do autor: “I employed the concept of completion tendency maintaining that the
infliction of harm is the goal completing an activated chain of aggressive responses”
(Berkowitz, 1965).
Baseia-se na premissa de que os organismos têm uma tendência generalizada para
continuar, para prosseguir numa atividade até que seu objetivo determinado seja
alcançado. Qualquer coisa que se interponha no caminho do indivíduo, impedindo-o de
chegar ao alvo aspirado, representa uma frustração, a qual leva a um estado aumentado de
excitação. Este, por sua vez, é percebido pelo indivíduo como uma tensão desagradável e
vem aumentar a força da seqüência de respostas bloqueadas. Assim, se o indivíduo A
está, por qualquer razão, disposto a machucar seu melhor inimigo, duas coisas podem
suceder: (a) ele conseguir seu objetivo e conseqüentemente desfrutar uma agradável
sensação de bem-estar, proveniente da satisfação de completar uma tendência; (b) ele não
conseguir chegar ao objetivo almejado, o que acarretaria uma frustração e uma sensação
desagradável de mal-estar.
Esse raciocínio, segundo Berkowitz, defendido originariamente por Kurt Lewin
(1) e Sheffield entre outros tem, como veremos, implicações relacionadas aos
experimentos de catarse. Adiantando um pouco: não seria a mera expressão da raiva, por
exemplo, o que faria um sujeito previamente agredido se sentir melhor. Ele só vai se
sentir bem se souber que a fonte agressora sofreu também algum dano proporcional ao
que lhe foi infligido, seja por sua intervenção direta, seja por ação de outrem, ou mesmo
por acaso. O alívio resultante do completar de uma tendência é que poderia vir a ser
confundido com uma presumível ação catártica. Assim, se num dado experimento o
grupo previamente enraivecido não pudesse reagir, isto é, não pudesse expressar sua raiva
para com o agente frustrante, esse grupo apresentaria ao cabo do experimento uma maior
quantidade de sentimentos hostis ou comportamentos agressivos, não porque não
houvesse possibilidade de catarse, e sim porque houve um bloqueio da tendência a
conclusão.
Curiosamente, essa idéia de “tendência a completação”, isto é, de que uma vez
iniciada uma seqüência de respostas – onde a inabilidade em completá-las é tensiogênica
– o organismo só se verá satisfeito ao findar essa seqüência, é uma idéia similar à
concepção de instinto, que uma vez deflagrado por um estímulo sinal continua
funcionando por si mesmo até se esgotar (o que acontece quando ele é satisfeito). E que,
uma vez deflagrado, ele fornece sua própria excitação. A diferença – a enorme diferença
– é que para a corrente instintivista o mecanismo se explica através de um fluxo de
energia contínuo, onde uma vez deflagrado o comportamento, um movimento produz a
excitação para o movimento seguinte até seu esgotamento – satisfação total ou parcial.
Enquanto que, ao que parece, Berkowitz vê a questão pelo lado puramente cognitivo, em
termos de expectativas relacionadas a objetivos motivacionais, restauração de autoestima,
etc... Eu disse “parece”, porque não está explícito que essa tendência a concluir
uma ação já iniciada é inata ou aprendida. E mais, qual seria a força deste processo? Na
concepção instintivista, uma vez iniciado é muito difícil o processo ser interrompido. Já
para Berkowitz, não sabemos quão forte é esta tendência, e o que ou o quanto seria
necessário para interrompê-la.
Além disto, outro ponto importante é saber se essa tendência a conclusão só é
satisfeita quando o indivíduo alcança o objetivo inicial ou se outros objetivos parecidos
podem servir ao mesmo fim. Ou, como o próprio Berkowitz coloca a questão: haveria
uma equivalência de determinados alvos ou ações? Se o alvo original da linha
“completion tendency’ sumiu ou viajou para São Lourenço, é possível “deslocar” a raiva
e consumar uma agressão contra algum dos meus vizinhos?
Já vimos que as noções de deslocamento, sublimação e catarse aparecem em
vários enfoques teóricos com diferentes matizes. Como continuador da F-A, seria de se
esperar que Berkowitz aceitasse a noção de deslocamento e conseqüentemente a de
catarse. Mas não é o caso. Embora aceite a noção de deslocamento, ainda que sob severas
restrições (na verdade, seria mais correto falar de um efeito de generalização), o efeito
catarse, para Berkowitz, não existe. Primeiramente, com relação à ação – o ato de agredir
– haveria de fato inúmeros modos satisfatórios e equivalentes de responder. Na medida
em que posso alguém de várias maneiras, não faz muita diferença qual a ação preferida.
“Ações preferenciais ou ordinárias” seriam lucrativas, umas mais e outras menos, é certo,
mas ambas lucrativas. As habilidades conceituais do homem tornam desimportantes a
maneira específica de agredir (“... it is evidently the belief that the aggression instigatos
hás been injured that produces the presumed completion, not the form of the aggression
in itself”, Berkowitz, 1965). Mas, em termos de deslocamento para alvos substitutes,
Berkowitz afirma que essa possibilidade é remota, uma vez que se aplicaria apenas a uma
faixa muito estreita de alvos parecidos com o alvo original. Assim, pombos previamente
frustrados só exibem comportamentos agressivos se lhes são colocados outros pombos
próximos (Azrin, Hutchinnson e Hake, 1966), ratos “chocados” só atacam certos alvos –
não atacavam bonecos ou ratos mortos, por exemplo (Ulrich e Azrin, 1962) – e gatos
estimulados eletricamente a nível hipotalâmico também selecionam alvos para ataque
(Lewison e Flynn, 1965). Dessa vez. É Berkowitz quem chama atenção para a
semelhança de sua posição com a noção de estímulo-sinal em etologia, dispensada, é
claro, a idéia do fluxo energético instintivo. Mas, o que um alvo substituto precisa ter
para servir de substituto? Semelhança – física ou psicológica – é a resposta. Do resto se
encarregam os princípios behavioristas de generalização. Quanto maior a semelhança
entre meu vizinho e o indivíduo que me frustrou ou aborreceu, tanto maior a
possibilidade de meu vizinho vir a sofrer certos danos físicos e/ou psicológicos. Apliquese
pois o modelo da generalização e se obterá a resposta à pergunta acima colocada
(racismo e preconceito não significam necessariamente, para Berkowitz, o deslocamento
de raivas impotentes para alvos acessíveis. Berkowitz não crê numa teoria do bode
expiatório por deslocamento, preferindo explicar o fenômeno em termos de
aprendizagem).
Surge daí uma questão fundamental: expressar a raiva ou agredir um alvo muito
distante do alvo original não levará a uma real diminuição da hostilidade, ou melhor, não
haverá uma completação da tendência (e, conseqüentemente, não haverá uma diminuição
do potencial agressivo, como subentende a hipótese da catarse). Berkowitz, não levando
em conta a hipótese de que o corpo humano gera alguma substância misteriosa ou
excitação que automaticamente leve o homem à agressão (1970) e que essa excitação
possa ser descarregada, deslocada, sublimada ou transformada aleatoriamente, descarta
essa possibilidade como capaz de diminuir o número de agressões subseqüentes. Só o
descarregar contra o alvo original é satisfatório, porque vai de encontro à completação de
uma tendência.
Berkowitz concorda com Bandura em que a dita catarse vicária tende a aumentar,
e não diminuir a possibilidade de agressões posteriores, seja por imitação, por
afrouxamento da censura ou mesmo por um efeito de aprendizado provocado por
estímulos associados a comportamentos agressivos.
O autor em questão reconhece no entanto que a popularidade da noção de catarse
indica que ela deve possuir alguma base real. As pessoas de fato se dizem mais tranqüilas
e relaxadas após assistirem filmes de competições, filmes de “ação”, faroestes, etc., onde
há uma gama de variada de atos violentos. Mas isso não significa absolutamente nem
uma descarga de raiva reprimida, nem a idéia de que a pessoa esteja agora menos
propensa a agredir. Como veremos em outra seção – Principais Experimentos – a
tendência é justamente oposta. Não há uma correlação positiva entre satisfação após
assistir a um filme violento e menor agressividade posterior. E mais, pode acontecer
também que uma pessoa frustrada, vendo um filme, esteja simplesmente se distraindo,
esquecendo os aborrecimentos anteriores e fazendo dissipar – ao menos
momentaneamente – sua raiva. Convém sublinhar, no entanto, que a longo prazo o
conteúdo de tais filmes pode vir a incrementar a violência e a agressão. Assim, para
Berkowitz, a catarse dentro do modelo tradicional energético não se justifica, porque o
próprio modelo não se justifica. E dentro da moldura da F-A também não: o que teria
havido por parte destes autores nada mais seria senão uma confusão entre generalização e
deslocamento. A teoria foi “contaminada” por princípios psicanalíticos e não levou em
conta a idéia esposada por Berkowitz, de que na verdade o que estaria havendo era uma
tendência à completação.
Quanto a esta “completion tendency”, não mais nos estenderemos aqui, por não
ser de interesse específico nosso. Mas cabe ressaltar que acreditamos que esse conceito,
antes de ser aceito como fait accompli, necessitaria de mais estudos e análises do que até
agora recebeu. Berkowitz acaba apoiando grande parte dos seus bem-elaborados e
rigorosos experimentos em um conceito apenas algo menos vago do que os conceitos
gerais psicanalíticos tão duramente criticados por ele.
E já que estamos criticando Berkowitz, convém lembrar uma contribuição de
Bandura, que acha que Berkowitz dá importância demasiada às tais pistas do ambiente.
Estas pistas, para Bandura, devem ser vistas mais como facilitadoras do que como
condições necessárias à ocorrência da agressão. Uma outra crítica de Bandura diz
respeito à raiva, também considerada por ele facilitadora e não um pré-requisito.
Pessoalmente, não concordamos com Bandura nessa segunda crítica, por acharmos que
ele minimiza demais o papel dessa variável, mas com relação à primeira crítica, de fato é
possível conceber a idéia de que estímulos externos possam de fato despertar
pensamentos hostis e atuar como facilitadoras da resposta agressiva, já que não há
evidências inelutáveis de que eles tenham a importância e a magnitude propostas por
Berkowitz.
E se ele estivesse certo – suponhamos – a solução para o controle da
agressividade estaria no controle das pistas. Afastem-se as pistas e afastaremos o homem
da resposta agressiva? Ou vice-versa? Uma utópica colônia que analisasse a fundo o
processo de aprendizagem de seus habitantes, estudando assim como se daria a passagem
de estímulos neutros à condição de estímulos elicitadores, e posteriormente os afastando,
estaria desta maneira diminuindo o nível de agressividade ou quantum de agressividade a
níveis irrisórios? A proposta é ingênua, é claro, mas a ênfase no papel elicitador das
“dicas” também nos parece algo ingênua.
S. Feshbach –
Concluiremos esta revisão histórica dos que estudaram a catarse na agressão
examinando as contribuições de Feshbach.
As concepções deste autor – situável próximo a Berkowitz, pelo menos quanto à
crença em um drive agressivo – merecem citação pelas suas contribuições adicionais ao
tema e também por ser um dos raros psicólogos experimentais hodiernos a defender –
ainda que parcialmente – a hipótese da catarse.
Feshbach considera como verdadeira agressão aquela que subentende uma
intenção em termos motivacionais, deixando de lado atos que resultem em dano “sem
querer” ou inadvertidamente, por parte do agente. Os atos agressivos intencionais, por
sua vez, são subdivididos em agressão instrumental e agressão hostil. E na agressão hostil
há também que se diferenciar entre o desejo de ferir e o desejo de golpear (“to hurt versus
to hit”). Explicando: inegavelmente, frustrações geram instintivamente reações
emocionais de raiva, ódio, etc.. Todas as reações emocionais possuem componentes
expressivos, e grande parte das emoções possui componentes diretivos, como Feshbach
procura exemplificar através do estudo do desenvolvimento de uma criança: “In the case
of anger in infants, the expressive component includes changes in facial appearance, the
emission of loud sounds and agitated, vigorous movement of limbs”, Feshbach, 1964.
Tal padrão comportamental seria inato. À medida que a criança cresce e se
desenvolve, passa agir com maior controle perceptual e motor, conseguindo aos poucos
dirigir a componente expressiva da emoção de raiva à fonte de frustração, e o êxito nessa
atividade agiria reforçando o comportamento expressivo. Sears acentuou que, através de
um reforçamento secundário pela associação de atos agressivos contra o agente frustrante
e sinais de dor emitidos pelo mesmo, a criança passaria a querer infligir dor, como
objetivo básico. Feshbach, no entanto, discorda dessa colocação, achando que ela não
prevê explanação satisfatória para a origem dos atos agressivos. Motivação para causar
injúria é rara em animais, embora eles também estejam sujeitos ao mesmo processo de
reforçamento secundário. Além do mais, as crianças, em geral, são punidas – e não
reforçadas – pela exibição de comportamentos agressivos. Sua hipótese alternativa é de
que, na verdade, o que há é uma associação entre infligir injúrias e o ato da contraagressão.
Nossas normas culturais reforçam a idéia de que a retaliação – a vingança – é
uma resposta adequada à parte frustrada. Como diz o próprio Feshbach (1964): “The lex
talionis becomes the basis, as it were for the internalization of aggressive drive”.
Temos então que a raiva a ser descarga é canalizada via aprendizagem e se
transforma no que verdadeiramente poderíamos chamar de agressão ou drive agressivo.
Assim, as reações agressivas inatas a certos estímulos e a conseqüente pressão de
agressão vão se transformando ao longo do tempo, no sentido proposto por Feshbach. As
mudanças autonômicas e a atividade motora elevada provocada por essas reações inatas
teriam basicamente função adaptativa, porque serviriam como “sistemas de sinais”, como
Darwin já anunciara em 1873. Teria também a excitação da atividade física uma função
homeostática, qual seja, a de diminuir um nível de tensão existente (idéia lançada por
Freud em seu “Princípio do Prazer”, como reconhece Feshbach).
Com o tempo, e sofrendo a ação de um processo de aprendizagem, é que
apareceria, tal como foi sugerido, a motivação para agredir (“to hurt”). Trata-se, pois, de
uma motivação adquirida, seja por modelagem, seja por experiências concretas próprias.
O indivíduo aprende a machucar e a ferir.
Além disso, Feshbach defende uma posição única e curiosa: atrás de um dano que
um indivíduo pratica em outro, está na verdade algo mais do que o simples prazer de
agredir, está algo que Feshbach define como restauração da auto-estima e do senso de
poder. A restauração da auto-estima, para Feshbach, é considerada a mais importante
fonte de drives agressivos. A auto-estima diminuída por humilhações, coerção, insultos e
agressões é restaurada quando o indivíduo se vinga do agressor, atacando-o também.
Embora vários autores reconheçam o peso da importância da relação auto-estima
– agressão, a explicação feshbachiana peca, a nosso ver, por querer ser demasiado
abrangente, colocando nesse retorno de uma baixa auto-estima a um nível ótimo uma
importância muito grande no deflagrar do comportamento agressivo. O próprio conceito
de auto-estima acaba se tornando tão amplo que perde seu valor preditivo, levando a uma
certa circularidade de pensamento.
Assim, com relação à agressão, o próprio Feshbach (1964) faz um resumo de suas
idéias a respeito: “The postulated structural relationship between threats to self-esteem
and satisfaction from the infliction of injury in conjunction with the acquisition of the
pain-infliction punishment-retaliation norm are proposed as the primary source of the
reinforcing properties of the perception of pain in others”. E mais: “It has also been
maintained that the relation between anger and the motivation to inflict injury upon
others is neither intrinsic nor arbitrary and that the expression of anger is not equivalent
to but facilitates aggressive drive-oriented behavior”.
Convém sublinhar que, pessoalmente, consideramos a posição de Feshbach a mais
complexa e de mais difícil entendimento que as demais, considerando-se principalmente
as posições teóricas do tipo drive. Além do que foi proposto acima, Feshbach fala
também da re-organização cognitiva e de seu papel na agressão: bastaria por exemplo ao
indivíduo perceber que uma situação tida como agressiva de fato não o era, para eliminar
de imediato a vontade de restaurar a auto-estima e conseqüentemente de agredir.
Feshbach, infelizmente, deixou até o presente momento pouco clara esta
interessantíssima proposição. Não encontramos em sua obra uma explicação de como
uma re-organização cognitiva e uma restauração de auto-estima podem diminuir uma
reação por drive.
Bandura (1973) aponta duas incongruências desse modelo. A primeira é a de um
teórico do drive admitir a idéia de que uma atividade não-agressiva esvazia um drive
agressivo. Então os drives deixam de ser satisfeitos por alvos relacionados àqueles drives
específicos? Sem dúvida, seria uma alteração das tradicionais teorias de drive. E de fato,
o drive de Feshbach parece mesmo muito mais sujeito às leis de aprendizagem do que a
noção tradicional de drive. Trata-se de um conceito que permanece em algum lugar –
flutuante, diga-se de passagem – entre a posição do drive tradicional e a posição da
aprendizagem social. Em segundo lugar, o que aconteceria com o drive já elicitado, após
o indivíduo re-interpretar determinada situação que ele supunha lhe ser danosa? Dissiparse-
ia aos poucos? Ou seria deslocado, como pensavam os adeptos da F-A? Feshbach diz
simplesmente que a nova situação pede uma nova resposta, que se interpõe, compete e
anula a resposta anterior, o que enfatiza o aspecto cognitivo acima da noção de tensões
armazenadas. Mas como já citamos, Feshbach não se alonga nem procura esclarecer essa
questão.
Com relação à diminuição da agressão, Feshbach aponta quatro alternativas: (a)
ataque à fonte frustrante; (b) ataque deslocado; (c) facilitação de respostas mediadoras
que sejam incompatíveis com a raiva e a hostilidade; (d) modificação das condições de
estímulos iniciais e elicitadores, seja por sua remoção, seja por uma mudança do
significado desses mesmos estímulos. Os itens (c) e (d) compreendem possibilidades
redutoras não-agressivas. E Feshbach inclina suas preferências pelo item (d), o qual
considera como provavelmente o meio mais efetivo de reduzir um drive agressivo.
Com relação à catarse, após reconhecer a multiplicidade de sentidos que o termo
veio adquirindo ao longo do tempo, Feshbach chama a atenção para o caso de resultados
contraditórios encontrados em inúmeros experimentos realizados nessa área, o que pode
ser explicado pelo fato de alguns experimentos lidarem com a catarse da resposta
agressiva expressiva, enquanto outros visam a resposta de hostilidade, como se se tratasse
de um só fenômeno, isso sem falar no problema da medida, cujo critério de escolha,
também variado, teria contribuído para a variedade dos resultados encontrados.
Mas, a par disso, Feshbach propõe que a participação na agressão – direta ou
vicária – terá um efeito redutor de tensão apenas se o indivíduo tiver sido previamente
enraivecido. Se a raiva, sentimentos hostis não forem evocados primeiramente, não
haverá catarse nenhuma. Pelo contrário, o que se poderia esperar nesse caso seria um
aumento de agressividade como resultado de uma redução de ansiedade ou culpa, ou pela
ação de reforçamento, ou ainda – como afirma Berkowitz – pelas propriedades agressivoelicitadoras
que certos estímulos possuem.
Em resumo, a posição de Feshbach é a seguinte: assume-se que a agressão hostil é
um drive aprendido cujos antecedentes primários – mas não os únicos – são o histórico
do indivíduo com relação à exposição à punição e a existência momentânea de alguma
ameaça à auto-estima do indivíduo. A agressão expressiva (desejo de golpear) constitui
padrão comportamental inato e não está relacionada a uma intenção real de infligir dano
a ninguém, ao contrário do desejo – aprendido – de machucar. Quanto à catarse, esta não
constitui o melhor modo de reduzir o drive agressivo, mas se faz presente – direta ou
vicária – para sujeitos previamente enraivecidos. O sujeito, quando agride ou vê, ou
mesmo imagina seu inimigo sofrendo, torna-se menos propenso a atos agressivos
posteriores. A fantasia, especificamente, serviria como uma boa resposta substitutiva: ela
produz a redução da força da motivação através de uma satisfação simbólica.
Mas, como Bandura já acentuara (1973), o modelo é algo obscuro e contraditório:
como pode haver catarse em cima de um drive que é muito mais aprendido do que
propriamente um impulso? E o fato de a catarse só se fazer pressente quando o indivíduo
estiver enervado e irritado não subentende por acaso uma mini-noção de um minireservatório?
(“Se o reservatório está cheio, há catarse, e se está vazio, ele enche”.)
Como dissemos anteriormente, a posição feshbachiana nos parece das mais
complexas e ambivalentes na explicação da agressão. Essa complexidade não deixa de
ser uma faca de dois gumes: se por um lado deixa margem a uma série de ambigüidades e
pontos obscuros e o problema de lidar ao mesmo tempo com muitas variáveis, por outro
lado já nos parece indiscutível que formulações simplistas e mono-causais do
comportamento agressivo são definitivamente insustentáveis. Quanto às ambivalências
encontradas, devemos reconhecer que não temos conhecimento – até o presente momento
– se o autor tem ou não efetuado pesquisas teóricas ou experimentais nas áreas
consideradas obscuras dentro de seus princípios teóricos.
CAPÍTULO 2
A CATARSE E OS MODELOS TEÓRICOS
Após esta revisão “histórica”, onde pretendemos principalmente situar as
principais posições teóricas com relação à catarse da agressão, passemos agora a tecer
algumas considerações adicionais sobre os grandes modelos teóricos e o papel da catarse
dentro de cada um deles. Apesar de os modelos divergirem, a noção de catarse tem livre
trânsito entre os mesmos – exceção feita ao behaviorismo banduriano. Assim,
examinaremos a seguir alguns detalhes pertinentes aos princípios da pulsão, do instinto,
do drive e da aprendizagem.
Na pulsão (tradução mais adequada para a palavra Trieb), na medida em que se
constitui uma espécie de desejo indefinido e indiferenciado a ser satisfeito –
indiferenciado o suficiente para permitir uma transposição como a da “sublimação” –
termo catarse consegue encaixar-se teoricamente sem maiores atritos. A pulsão freudiana
– eros e tanatos – que visa em última análise a uma redução de níveis de tensão, pode
assumir várias formas diferentes dependendo da educação e das primeiras experiências
infantis. A pulsão sexual, por exemplo, seria apenas uma necessidade “geral” de prazer
corporal da criança. Essa sexualidade polimorfa é uma sexualidade que não tem um
objeto específico a priori. Mais tarde é que essa sexualidade ficará a serviço da
reprodução. Mas, o alvo de uma pulsão, a sua meta, é abolir as condições que a
suscitaram, e , inegavelmente, os objetos satisfatórios são variados, isto é, não se supôs
uma conexão sexual inata entre a pulsão e o objeto, como por exemplo, na teoria do
drive. Como citam Cofer e Appley (1964, pg. 599):
“As a matter of fact, the object in or through which instictual
satisfaction is found may change ‘… any number of times in the
course of the vicissitudes the instinct undergoes during life’
(Freud, Instinct and their vicissitudes), and this capacity for
displacement is an integral part of the nature of instincts”.
Assim, a noção de catarse, como vimos na primeira seção, aplicada à pulsão
agressiva é teoricamente possível dentro do modelo (embora não o tenha sido
concretamente afirmado por Freud, com relação à agressão, como também já apontamos
na seção anterior).
Mas, nas teorias do instinto, surgem algumas complicações que gostaríamos de
apontar, e que estão relacionadas ao problema da catarse. O conceito de instinto é muito
antigo – quando se fala em animais – e razoavelmente antigo quando referido ao homem.
Referência essa que veio a acontecer em tempos pré-darwinianos. Seu significado nunca
foi muito preciso, mas de modo geral, se referia a tendências herdadas de um certo modo
de agir, cujo deflagrar estava associado a certos estímulos. Um dos ardorosos defensores
da idéia, ao início deste século, foi McDougall (1908), que, em “Introduction”, citava a
existência de doze instintos primordiais e das emoções que os acompanhavam. Mas, a
tentativa mais séria de formalizar uma teoria do instinto proveito da etologia. Embora os
próprios etologistas divirjam em vários pontos, há uma série de características
consideráveis relativamente estáveis. Até então acusava-se a noção de instinto, de ser
uma noção muito geral, muito “metafísica” e vaga. E de que, por exemplo, não era
possível chegar a uma definição operacional. E justamente o que os etólogos trouxeram,
sua contribuição, foi esta objetivação do “comportamento instintivo”. Técnicas
fotográficas e cinematográficas permitem o exame de comportamentos objetivos,
constantes e estereotipados, que se repetem sempre da mesma maneira entre todos os
indivíduos de uma mesma espécie.
A noção básica de instinto é a espontaneidade comportamental. Embora essa
espontaneidade exista também de certa forma no drive e na pulsão, aqui, no instinto, ela
está vinculada a um objeto pré-determinado, ao contrário, por exemplo, do que defende a
idéia da pulsão. No instinto, a energia acumulada em regiões do sistema nervoso central é
deflagrada por estímulos ambientais específicos. Exemplificando: o objeto sexual de um
pombo é no mínimo – levando-se em conta a noção de imprinting – algo “pombóide”.
Seu comportamento sexual vai ser deflagrado com a visão da forma pombóide, supondose
primeiramente a existência de um certo grau de maturação e a presença adequada de
hormônios. Assim, essa forma “pombóide” é um dito estímulo-sinal, isto é, um estímulo
que deflagra todo um mecanismo que já está pronto para entrar em ação. Agora, uma
outra característica importante do instinto é a de que uma vez deflagrado pelo estímulosinal,
ele continua funcionando por si mesmo: Ao ser elicitado, ele fornece sua própria
auto-excitação, não mais dependendo de nada de exterior ao sistema nervoso central. Um
instinto, digamos, agressivo, uma vez deflagrado, continua funcionando até se esgotar,
isto é, até aquele montante energético acumulado baixar até um nível “hidraulicamente”
insuficiente. Ou ainda, podemos dizer que ele se esgota quando é satisfeito, total ou
parcialmente. O comportamento agressivo, posto em prática, continua per se um
movimento produzindo a excitação para o movimento seguinte, “um soco no rosto do
adversário, produzindo a razão de ser do soco seguinte”.
Aqui surgem as tais complicações que apontamos há pouco. Elas dizem respeito
ao problema de re-direcionamento do instinto suscitado. Este re-direcionamento,
aparentemente, funciona apenas para certos instintos. O instinto elicitado por certos
estímulos, de acordo com o princípio de re-orientação e re-direção, pode ser desviado
para outros estímulos. Como já o dissemos anteriormente, um animal agredido por outro
que lhe seja superior hierarquicamente volta sua agressão para um outro animal inferior,
em termos hierárquicos. Esta agressão desviada serve para diminuir a quantidade de
energia, num esvaziamento dito catártico. Assim, Lorenz nos incita a chutar travesseiros,
Eibl a chutar uma bola e Tinbergen a aderir ao progresso científico, já que para ele
sublimação é sinônimo de atividade desviada. Todas essas três formas esgotariam o
instinto agressivo, sendo que Lorenz e Eibl ainda acreditam que possa haver uma catarse
vicária, isto é, bastaria assistir uma competição esportiva. Esse último ponto então é
bastante interessante, pois se for verdadeiro, torna o instinto agressivo único e diferente
dos demais. Sim, porque o fato de um indivíduo assistir alguém comendo ou bebendo não
lhe satisfaz vicariamente a fome ou a sede. E ver uma atividade sexual também não
diminui – ao contrário, excita – o instinto sexual. Mesmo o “voyeur” precisa se masturbar
para chegar a uma “descarga” energética. Bem, isso em termos vicários, mas, e em
termos diretos? A catarse direta (por ataque derivado), não vicária, é aceita normalmente
na agressividade (o indivíduo que joga futebol), dificilmente na sexualidade (na
masturbação, está havendo uma atividade sexual) e não é aceita para fome ou para a
sede: ninguém acalma a fome jogando tênis. O que estamos querendo dizer é que,
teoricamente, há alguns problemas ao se considerar – em termos instintivos – a fome, a
sede, a sexualidade e a agressividade funcionando de acordo com o mesmo modelo. A
psicanálise explicaria a catarse sexual pela sublimação. Alguns etólogos – como Lorenz –
também acreditam em sublimação e poderiam explicá-la da mesma forma. Mas essa
aceitação vem comprometer um pouco a conexão instinto-estímulo específico
satisfatório. Afinal de contas, uma das características da posição instintivista é essa
ligação, esse vínculo a determinados objetos. Agora, se é indiferente ao indivíduo bater
em alguém ou chutar uma bola, ter relações sexuais com uma mulher ou simples ente se
masturbar, a noção de “um objeto adequado” a nosso ver fica um pouco comprometida. O
mesmo raciocínio não pode ser aplicado à fome, à sede ou ao sono, onde, não havendo
um objeto adequado, simplesmente não há uma satisfação instintual! A masturbação pode
ser parcialmente satisfatória, enquanto comer um tijolo absolutamente não o é.
A pergunta que fazemos é a seguinte: haveria uma diferença entre instintos, no
sentido de que alguns deles teriam objetos mais específicos, enquanto outros instintos,
objetos menos específicos? Uma resposta afirmativa – há diferenças – permitiria a
aplicação de noção de catarse àqueles instintos que possuem uma maior variedade de
objetos satisfatórios. Fome e sede, teriam pouquíssimos objetos alternativos satisfatórios,
logo, a noção de catarse não entraria aí. A catarse só apareceria naqueles instintos que
têm uma maior variedade de objetos, e que seriam justamente os instintos ligados à
sobrevivência da espécie! Os instintos “primários”, ligados à sobrevivência do indivíduo,
não permitem uma catarse (cumpre observar que estamos falando em termos teóricos,
isto é, não estamos afirmando se a catarse se faz presente ou não, e sim, apenas se ela é
possível ou não, teoricamente). O que nos levaria a estar de acordo com Lorenz, quando
diz que a agressividade não está ligada à sobrevivência do indivíduo, e sim à da espécie!
O indivíduo não morre se não satisfizer suas necessidades sexuais ou agressivas. Morre
se não satisfizer suas necessidades de fome, sede, ou calor. A espécie, no contrário,
seguramente desapareceria se não houvesse a satisfação adequada do instinto sexual e, de
acordo com Lorenz, e se o raciocínio é correto, o instinto agressivo.
Assim, a caixa d’água para o instinto “fome” só teria uma saída. A caixa d’água
para, por exemplo, o instinto maternal, já disporia de outras saídas (criação de animais
domésticos, ou plantas por seres humanos). A catarse só seria possível nesses instintos de
várias saídas. E dentre os etologistas, o que nos parece defender a posição mais adequada
é Eibl, que reconhece a diminuição dos níveis de tensão existentes quando o indivíduo,
por exemplo, pratica esportes, mas que também reconhece que tal reforçamento
provocaria uma tendência baseada nas leis behavioristas referentes à noção de reforço. Já
a catarse vicária – contrariando o próprio Eibl – constitui um problema. Ela não aparece
nos instintos ligados à sobrevivência do indivíduo, não aparece na sexualidade (o voyeur
se masturba vendo uma relação, onde ver, por alguma razão, passa a funcionar como
estímulo-sinal para o ato masturbatório e conseqüente satisfação) e não aparece na
agressão: os experimentos realizados pela psicologia americana, com raras exceções, têm
mostrado que a catarse vicária não aparece no contexto da agressão. Os raros
experimentos confirmadores podem ser interpretados e explicados através de uma
atividade de “fantasiar” ou por uma saciação de estímulos, como veremos na seção
referente aos principais experimentos.
Em suma, a par das críticas à posição instintivista que provêm “de fora’, parecenos
que o uso de um mesmo modelo – em termos de descarga e satisfação – para os ditos
instintos de sobrevivência do indivíduo e da espécie implica em alguns problemas
teóricos básicos, e que carecem de maior análise por parte dos etologistas.
A noção de drive
O termo, introduzido na psicologia por R. Woodworth em 1918, referia-se a um
estado interno de excitação ou de energia que impelia o indivíduo à ação, numa tentativa
de conferir uma tradução mais precisa à tradicional noção de instinto. A partir daí, vários
autores – Hull, Spence, Miller, Mowrer, Tolman – desenvolveram a teoria de drive em
vários sentidos, embora de um modo geral possamos agrupar estas distinções em dois
grandes grupos, onde a noção do drive flutuaria entre (a) uma abordagem enfatizadora de
um estado de drive generalizado, posição que mais se aproximaria de um dito conceito
clássico de drive e (b) posições que falam de drives específicos ligados a objetos
específicos. Ao longo desses dois extremos, há modelos ditos intermediários, que
postulam tanto a existência de um drive geral como de drives específicos (Hull).
Além disso, os vários autores na psicologia experimental, adeptos da noção de
drive, divergiram – e divergem – quanto a inúmeros outros aspectos, a saber: número de
drives inatos, importância do incentido e do reforçamento, natureza do mecanismo de
drive, seu papel energizador ou instigador, etc., etc., O resultado é que se torna muito
difícil falar em uma teoria geral do drive, uma vez que esse drive, dependendo do autor,
ora energiza, ora regula, ora dirige o comportamento, sendo ainda que essas três hipóteses
nem são às vezes consideradas mutuamente exclusivas. Uma coisa, por exemplo, é se
falar em um “pooled drive” (Hull), que prega a existência de uma energia indiscriminada,
e outra coisa é crer que possa haver uma multiplicidade de drives: um drive para a sede,
um drive para a fome, para o sexo, etc...
Os defensores desta última corrente propõem, por exemplo, que estes impulsos (a
nosso ver, a tradução mais correta para drive) fazem parte de um mecanismo fisiológico
montado e pronto, correspondentes às necessidades primárias. Trata-se de uma concepção
similar à noção de instinto. O impulso possuiria um componente sensorial que seria parte
essencial do mecanismo estimulador. O impulso alimentar, por exemplo, entraria em
funcionamento através da sensação de fome. Dentro deste ponto de vista, é fundamental a
noção de estímulo sensorial ligado ao próprio impulso, que seria função da ação desse
estímulo.
Um outra suposição básica – hoje muito discutida – é a de que atrás do impulso
haveria um mecanismo homeostótico, visando um reequilíbrio. Assim, quando há um
desequilíbrio, surge uma necessidade orgânica, essa necessidade orgânica põe em
funcionamento um mecanismo psicológico: o impulso. E esse impulso é que coloca em
funcionamento os hábitos adquiridos. A tendência moderna, no entanto, se é que se pode
falar assim, é a de procurar em fontes externas e em processos cognitivos as raízes do
comportamento, deixando de lado o estudo dos “estados internos”. Berkowitz, por
exemplo, é um dos que dão grande peso às pistas do meio-ambiente, pistas essas
aprendidas e ligadas aos impulsos. Coerentemente, aliás, com sua posição com relação ao
impulso agressivo.
Os “drivistas” tradicionais não admitiam a idéia de um drive agressivo. Admiti-lo
seria admitir um impulso interno, e a psicologia experimental sempre considerou a
agressividade como sendo reativa. Guindá-la à condição de drive esbarraria em alguns
problemas teóricos, já que o modelo para o drive agressivo teria de ser diferente do
modelo de drive para a fome e para a sede. A fome, por exemplo, aparece sempre nas
mesmas circunstâncias. O estímulo que vai desencadear a fome é sempre o mesmo. E na
agressividade, afinal, não há essa constância. Tanto se chama agressividade à guerra,
como à revolução, como ao ato de matar ou de dizer um sarcasmo ou ima ironia. Além
disso, o modelo homeostático não teria como ser aplicado à agressividade, não havendo
um déficit de agressão – como há o de comida ou de líquidos – a ser compensado.
Daí a noção de drive adquirido ou drive secundário. Quando do exame da teoria
da frustração-agressão, na seção anterior, verificamos que seus proponentes não deixaram
bem claro se a agressão era uma resposta aprendida à frustração, ou se a frustração
possuía, per ser, uma dinâmica motivacional. Cabe lembrar, no entanto, que esse grupo
de teóricos foi muito influenciado pela psicanálise. Eles constituíram mesmo um
movimento que tentou, em certa época, estabelecer uma ponte entre a psicologia
experimental e a psicanálise. A ponte, infelizmente, ruiu, embora sobre as mesmas
fundações – com relação à agressão – Berkowitz tenha erigido uma nova estrutura, que
fala justamente da agressão como um impulso adquirido: experiências aversivas
conduzem a um estado de alerta, de prontidão emocional que pode, por sua vez, originar
um ato agressivo:
“Bodily conditions, such as those caused by organic deprivations, may be
quite important in motivated behavior. Some specific internal states could
create a readiness for certain specific classes of responses. Nevertheless,
appropriate cues are necessary if the responses are actually to occur”.
Berkowiz, 1965
O drive aprendido ou adquirido fala assim de uma prontidão energizadora, per se
ineficiente. É a aprendizagem que vai dar-lhe forma e colocá-la em ação. Feshbach, por
exemplo, que distingue, como vimos, entre o desejo de golpear e o desejo de ferir, propõe
que a aprendizagem é a principal responsável por essa mudança de desejo, por essa
passagem de intenções. Este autor discorda de Berkowitz quanto ao peso representado
pelas condições internas: Feshbach é mais “drivista”, enquanto Berkowitz é mais
favorável ao peso da ação das condições externas. Fica difícil, portanto, analisar a catarse
dentro da posição de drive, principalmente porque é difícil situar claramente uma posição
de drive. O estudo do drive mereceria uma dissertação paralela, o que significa que
vamos nos limitar ao que foi acima esboçado e concluir com a aplicabilidade ou não da
catarse a esta noção.
Considerando o modelo do drive indiscriminado – analogamente ao modelo
hidráulico – seria possível a idéia da catarse. Como estes teóricos, no entanto, não
levaram em conta a noção de um drive agressivo, fica descartada a possibilidade de
incluir a catarse aqui. Com relação aos drives específicos, também não cabe falar em
catarse, porque não se cogitou de situar a agressividade no mesmo contexto
“homeostático” de privação/nível ótimo de fome, sede, sexo, dor, frio, etc... Nessa
perspectiva, se não se supôs um drive específico para a agressividade, não faz sentido
estudar a catarse por esse prisma.
Tão escorregadio e obscuro quanto os demais, o drive adquirido – onde
finalmente a agressividade encontra um lar que a ampare – dá margem a inúmeras
dúvidas e confusões. Primeiramente, na F-A, como vimos, onde a catarse é incorporada
às próprias bases da teoria. Aqui, o drive agressivo, após elicitado, aprendido ou inato,
necessitaria ser descarregado. Essa descarga é que receberia o nome de catarse, quer seja
feita contra o objeto frustrante, quer seja feita com qualquer outro objeto. Mas, esta noção
“semi-hidráulica” não é acompanhada por outros drivistas, como por exemplo Feshbach e
Berkowitz. O complexo modelo feshbachiano admite, ainda que parcialmente, a catarse,
enquanto que Berkowitz praticamente não admite a idéia, preferindo falar do conceito
lewiniano de completação de uma tendência.
Assim, como vimos, querer o auxílio do modelo do drive para esclarecer o
problema da catarse não é algo muito indicado, pelo menos por enquanto.
E, finalmente, onde a catarse é definitivamente barrada na porta, é na hodierna
tendência que enfatiza a agressão instrumental e o papel do incentivo, relegando a um
segundo plano – diríamos melhor, em último plano – o papel do drive agressivo. Não
sem certa dose de ironia – e radicalizando um pouco, é claro – poderíamos dizer que essa
posição defende a idéia de que “o drive agressivo não existe, e se existe, não tem a
menor importância”. Assim, não haveria nada ou quase nada a ser “catartizado”.
Reforçamento e modelagem “dão conta do recado” e procuram explicar o comportamento
agressivo sem que se faça necessário lançar mão de conceitos como o de pulsão, instinto,
drive, etc.. Portanto, na psicologia da aprendizagem social, catarse não entra (1).
CAPÍTULO 3
PRINCIPAIS EXPERIMENTOS: UMA REVISÃO
Os principais experimentos têm procurado verificar a existência ou não da catarse
de três maneiras, como indica Camino (1968): (a) a descarga é produzida pela realização
de uma atividade não-agressiva, mas cujo valor simbólico, ligado à violência, traria a
catarse. Assim, certas atividades, esportes e jogos competitivos (xadrez, por exemplo)
seriam catárticos. Assistir (ou participar) a jogos e espetáculos violentos enquadrar-se-ia
nesta categoria; (b) a descarga segue-se ao ataque de um objeto substituto, humano ou
inanimado. O ataque pode se verbal ou físico; (c) a descarga é produzida atacando-se o
objeto instigador.
Cabe citar, antes de iniciarmos esta revisão da resenha experimental, que nos
baseamos, em grande parte, no ótimo roteiro e na revisão elaborada por Geen (1976).
Catarse vicária-fantasia –
Em 1955, Feshbach publicava um artigo onde era lançada a hipótese de que a
expressão de fantasias hostis reduziria parcialmente a agressão. Sujeitos previamente
irritados eram submetidos a um T.A.T. e posteriormente faziam um teste de completação
de sentenças. Seus resultados eram comparados com os resultados obtidos por um grupo
de controle. Ao cabo do experimento, Feshbach indicava que os sujeitos insultados
expressavam mais agressividade no T.A.T. do que o grupo controle (não insultados) e
mostravam menor agressividade residual no teste de completação de sentenças. Havia
inclusive uma correlação negativa no quantum de agressividade nos dois testes.
Feshbach rejeitava a hipótese de o fator culpa ter sido responsável pelos
resultados obtidos, mostrando que uma análise posterior não apresentava indícios de
sentimentos de culpa no T.A.T.
A idéia básica por trás do experimento era de que a expressão fantasiosa seria
uma forma de comportamento que seguiria os mesmos princípios comportamentais
derivados dos fenômenos motores. O mecanismo de fantasia, nas próprias palavras de
Feshbach, serviria como um mecanismo de ajustamento, com a finalidade de reduzir
tensões e ser, ao mesmo tempo, um substituto ideal. Mas nem tudo seria assim tão
simples: os efeitos da fantasia dependem na verdade de vários fatores, tais como a
especificidade do drive, os tipos de fantasia e a predisposição individual. Esse último
item seria deveras importante, porque em algumas pessoas, o fantasiar poderia aumentar
o drive, ao invés de diminuí-lo!
Pessoas acostumadas a expressar sua hostilidade abertamente, e que não
“aprenderam” a usar a fantasia como meio inócuo de descarregar a agressão, estariam
incluídas nesta categoria, isto é, para estes, ela não só não serviria como até seria
perigosa. Feshbach terminava seu artigo clamando por futuras pesquisas que viessem
esclarecer essas condições particulares.
Alguns detalhes são dignos de nota: primeiro, que essa citação de Feshbach ao
final do artigo o defende de futuras replicações que não alcançassem os mesmos
resultados por ele obtidos. Afinal, a amostra sempre poderia ser, em caso de replicação
negativa, do tipo predisposto a aumentar o drive com a fantasia. Em segundo lugar,
realmente Feshbach pôs-se a medir o drive agressivo, e não o comportamento agressivo.
Embora se estime freqüentemente uma correlação positiva forte entre sentimentos hostis
e atos agressivos, ainda não se sabe exatamente quando, como e por que certos
sentimentos hostis não se transformam imediatamente em atos agressivos. Supõe-se que
culpa, ansiedade, inibições, dissonância cognitiva, medo de retaliação e outros fatores
impeçam essa correlação de chegar a +1. E nesse ponto, Feshbach de fato limitou-se a
falar de uma possível diminuição do drive agressivo. Com relação a este experimento,
Berkowitz levantou a possibilidade de que a diferença final deveu-se na verdade
principalmente ao fato de a tarefa controle ter sido frustrante! Para ele, o grupo
experimental talvez até tenha diminuído sua hostilidade, por uma questão de ansiedade.
Mas o fundamental teria sido o fato de o grupo controle ter-se irritado com a tarefa que
lhe coubera. É uma hipótese alternativa possível, mas a nosso ver pouco provável.
Embora Thibaut e Coules (1952) tivessem sugerido que a tarefa controle poderia ser
frustrante, pelo mero fato de impedir a ocorrência de respostas hostis (paradigma F-A),
parece-nos mais correta a idéia de Bandura, que diz ser mais provável que tais tarefas
neutras levem a uma dissipação de raiva, e não, como quer Berkowitz, a uma
exacerbação de sentimentos hostis.
Posteriormente (1967), Pytkowicz, Wagner e Saranson replicaram o experimento
com alguns adicionais – sexo, freqüência no hábito de fantasiar normalmente e
oportunidade de fantasiar ou de fazer o T.A.T. como “descarga de agressividade”. As
variáveis dependentes eram avaliações hostis do experimentador e também uma autoavaliação.
O maior achado foi o de que sujeitos insultados do sexo masculino –
acostumados a fantasiar muito – realmente expressavam, ao cabo do experimento – tanto
os que fantasiaram ou fizeram o T.A.T. – menor dose de hostilidade para com o
experimentador. O indicadores de auto-avaliação de agressividade, no entanto, não
apresentaram sinais de diminuição. Os sujeitos que mais fizeram fantasias agressivas
foram os que mais se rotularam como agressivos, o que, pensando bem, é o que
normalmente deveria ocorrer. Afinal de contas, os sujeitos se perceberam com
pensamentos hostis.
Os sujeitos do sexo feminino, por outro lado, não variaram significativamente em
nenhuma das condições. Os resultados, mesmo que não significativos, mostraram até uma
tendência invertida, isto é, as mulheres que se mostraram a posteriori mais agressivas
foram justamente aquelas a quem foi permitido “catartizar” (principalmente as que não
costumavam normalmente fantasiar) e que por alguma razão não o fizeram. A
possibilidade aventada pelos autores é a de que as mulheres que realizaram outras
atividades dissiparam sua raiva, ao passo que as outras, em vez de “catartizarem”,
ficaram remoendo os insultos previamente recebidos, e desta forma permaneceram num
alto estado de excitabilidade.
Este raciocínio pode explicar os resultados da pesquisa, mas continua sem
explicar porque algumas pessoas purgam sua hostilidade e outras, não, ou no caso,
porque os homens o fazem e as mulheres, não. As mulheres que menos costumavam
fantasiar, foram as que menos purgaram sua raiva, o que nos remete de volta a Feshbach,
que ao cabo de seu artigo, alertava para a importância do fator “predisposição
individual”. Assim, supondo que o fantasiar, de fato, diminua a agressividade, restaria
saber por que algumas pessoas – mormente as mulheres – padeceriam dessa
predisposição ou incapacidade de se valer de tal artifício para diminuir sua hostilidade.
Cabe citar também, a título de curiosidade, um estudo de Bellow (1970), citado por
Singer em “Controle da Agressão e da Violência”(1971), onde ele, Bellow, encontrou
evidências de que crianças com menor capacidade de imaginação parecem mais
propensas a aumentar a agressão após verem um filme agressivo do que as crianças mais
bem dotadas desta capacidade.
Ainda um artigo de 1973, de Spiegel e Zelin, trata de maneira similar o assunto. O
artigo faz primeiramente referências a um trabalho anterior de Hokanson e Burgess
(1962), no qual se procurava verificar se tanto o ataque físico como o ataque verbal e as
fantasias agressivas seriam capazes de um efeito catártico, definido como diminuição da
pressão sanguínea sistólica. No artigo em questão, as duas primeiras formas de agressão
“funcionavam” em termos catárticos, mas a terceira – fantasia – não. Spiegel e Zelin, no
entanto, apontam certas falhas no procedimento experimental adotado por Hokanson. A
principal delas seria o tempo excessivamente curto, insuficiente e inclusive frustrante,
proporcionado para o ato de fantasiar: eram dados apenas dois minutos para o sujeito
num T.A.T., expressar suas fantasias agressivas. O tempo era tão reduzido, que ao invés
de purgar, acabava se transformando em fonte adicional de frustração.
Isto posto, Spiegel e Zelin decidiram conceder um tempo de cinco minutos para a
realização do T.A.T. após os sujeitos serem insultados – ou não. Após o T.A.T., pedia-se
ao sujeito que fizesse uma avaliação do experimento, e que medisse o grau de hostilidade
para com o experimentador que os havia insultado.
Os resultados indicaram que a frustração realmente elevara a pressão sanguínea
sistólica, e que a mesma se reduziria após o T.A.T.
Um dado curioso neste experimento é que não houve tarefa controle para os
sujeitos frustrados, isto é, todos os sujeitos frustrados realizaram o teste T.A.T.. Nenhum
deles se engajou em tarefas inócuas que servissem como controle para o grupo – T.A.T..
Assim, não há como saber se a pressão sistólica do sangue voltou a níveis normais pela
descarga de hostilidade, pela simples passagem do tempo ou por mera distração. Os
autores do experimento reconhecem a falha, mas colocam a questão em termos da
recuperação da pressão normal se dar de forma rápida ou não, isto é, a catarse
provocando uma recuperação mais rápida do que uma outra atividade qualquer. A nosso
ver, porém, o critério não é adequado, porque o próprio fantasiar de agressões eleva
normalmente a pressão sanguínea, tanto para sujeitos previamente insultados como para
sujeitos não-insultados, o que dificulta a mensuração através da rapidez de recuperação
sistólica.
Mas o problema deste tipo de medida se nos afigura bem mis complexo. A nosso
ver, a medida de recuperação vascular é por demais grosseira e muito sujeita a influências
variadas para servir como mediadora da existência ou não da catarse. A esse respeito
concordamos plenamente com Bandura (1973) em suas críticas à utilização de uma
medida que não distingue por exemplo uma excitação provocada por ansiedade de uma
excitação provocada por raiva. Assim, medo de retaliação, tentativa de restauração de
auto-estima, dor, etc., não se distinguem ao grosseiro nível destas medidas autonômicas
fisiológicas, pelo menos por enquanto. Não seria portanto a pressão sanguínea um
indicador adequado para o estudo do fenômeno em questão.
Como Schachter (1962) há muito já o propusera, injeções de adrenalina e noradrenalina
não provocam certas emoções. Os sentimentos resultantes dependem de outros
fatores, mormente a atribuição cognitiva por parte do sujeito ao que está acontecendo.
Antes de encerrar este item, cabe citar o experimento realizado por Mischel et al.
(1972), que apontou conclusões contrárias à noção de um papel catártico exercido pela
fantasia. Em procedimento similar aos experimentos já citados, estes autores reportaram
que o fantasiar leva na verdade a um aumento de atividades energéticas, e não ao
contrário. Tanto assim que é comum a atletas, antes de competições esportivas, fazer
fantasias hostis com relação a seus adversários imediatos, a fim de se auto-provocarem e
exibir durante a competição um maior número de respostas agressivas (cabe lembrar que,
pelo menos com relação ao sexo, a fantasia realmente possui um papel excitatório.
Fantasias de sexo não são, de modo algum, “catárticas”).
Assim, o fantasiar de respostas agressivas pode aparentemente funcionar em
ambas direções. Em algumas ocasiões, provoca uma diminuição de respostas agressivas,
e em outras, um aumento dessas mesmas respostas. Predisposições individuais, sexo,
hábito de fantasiar e aprendizado anterior foram as variáveis levantadas nas pesquisas
supracitadas, que tentariam explicar o porque dessas diferenças. Seria o hábito de
fantasiar a variável mais importante no processo? Isso explicaria o fato de algumas
pessoas ficarem remoendo as agressões sofridas, sem sentir nenhum alívio nas fantasias
agressivas por elas criadas, enquanto outras pessoas, após imaginar seus agressores sendo
punidos, sentir-se-iam aliviadas e tranqüilas? São perguntas que ainda carecem de
confirmação. A fantasia, assim, não pode por enquanto servir conclusivamente nem de
apoio nem de fonte de descrédito à hipótese da catarse.
Humor agressivo –
Tanto a fantasia como o humor são considerados exemplos de catarse vicária.
Talvez não estejamos diante de uma divisão muito correta, uma vez que a catarse vicária
deveria subentender um atitude passiva por parte do sujeito, e se a fantasia, como propõe
Feshbach, é uma forma de comportamento análoga a um fenômeno motor, ela poderia ser
enquadrada como uma espécie de meio-termo entre a catarse direta e a catarse vicária. No
entanto, pesquisadores desta área costumam rotular a catarse humorística como vicária.
A idéia básica neste item é de que, quando a agressão observada aparece sob a
forma de humor hostil, haveria uma catarse dita vicária. Rir de uma fantasia agressiva
esvairia sentimentos hostis. Assim, Dworkin e Efran (1967), após insultarem
devidamente seus objetivos e deixá-los ouvir: (a) fita com humor hostil ou (b) fita com
humor não-hostil ou (c) fita neutra, observaram que aqueles sujeitos submetidos às
condições (a) e (b) demonstraram posteriormente menor ansiedade e hostilidade residual
(medida por uma versão modificada no Nowlis-Green Mood Adjective Checklist). E
mais, houve também uma diferença – embora não-significativa – entre humor hostil e
humor não-hostil, com vantagem para o primeiro.
O que não houve no experimento – e que em nossa opinião precisaria haver – foi
uma correlação positiva entre o dito efeito catártico e o fato de o sujeito vir a gostar ou
apreciar mais o humor hostil do que o humor não-hostil. Segundo os críticos – e
defensores também – da hipótese da catarse, deveria haver uma relação entre o fato de o
indivíduo apreciar o humor hostil e a subseqüente redução de sentimentos hostis
(Berkowitz, 1970). Ora, a nosso ver, essa expectativa não é lógica. Embora a redução de
tensão seja percebida como gratificante, a avaliação do humor de uma situação ou de uma
piada dependerá mais do próprio riso e da situação cômica, do que da interferência de
outras varáveis, como por exemplo, a da catarse de sentimentos hostis. Ou seja, eu posso
gostar de uma piada “hostil”, e aproveitando essa piada, também posso realizar uma
catarse, o que não me impede de perceber uma outra piada – não-hostil – como sendo
muito superior àquela primeira, em termos humorísticos. Não consideramos válido,
portanto, utilizar a medida “gostar da piada” como correlata de um quantum de catarse.
Devemos reconhecer, no entanto, que dentro de uma perspectiva estritamente
freudiana, o raciocínio em parte procede, uma vez que Freud postulava que o humor
opera segundo um princípio de redução de tensão: rimos para aliviar a tensão. Mas, será
que a aceitação da hipótese da catarse da agressão implica necessariamente na aceitação
da rationale freudiana do riso? Se todo riso alivia a tensão, de fato o rir de uma piada
agressiva por quem se acha irritado aliviaria muito mais. Mas talvez Freud não estivesse
certo nas suas considerações sobre o humor. Pesquisa recente, por exemplo, efetuada por
Mahoney e Brown 91977), não conseguiu encontrar validade para essa premissa
freudiana. Apresentados vinte e cinco cartuns da revista “Playboy” a quatrocentos e
oitenta sujeitos, estes, de acordo com as idéias de Freud, deveriam reportar os primeiros
cartuns como sendo mais engraçados do que os últimos, independente dos méritos dos
mesmos, simplesmente porque a tensão estaria, lá pela altura do 15o cartum, mais
aliviada. Os resultados da pesquisa, porém, foram em direção contrária. O riso, ao que
parece, possui até um certo efeito de “arousal”, os primeiros cartuns “esquentando” o
sujeito para os seguintes. É claro que deve haver um limite, senão o sujeito estouraria ou
morreria de rir lá pelo 100o cartum. Graficamente, teríamos um “U” invertido, e não uma
diagonal decrescente. É possível ainda, em defesa de Freud, aventar a possibilidade de
que o indivíduo, nas primeiras piadas, ainda esteja preocupado ou atento a outros
conteúdos da consciência, que estejam competindo com a resposta de riso. À medida que
tais pensamentos sejam afastados, e o indivíduo se mostre mais atento à nova situação –
de humor – é possível que ele possa concentrar-se nas pistas e rir. Tal mecanismo
também serviria para explicar o gráfico resultante: curva em “U” invertido.
Mas, estando Freud certo ou errado, o que nos parece incorreto é associar o gosto
pela piada com a catarse. Acreditamos que possa haver uma grande catarse (se é que ela
existe, no contexto da agressão), e a piada, mesmo assim, ser qualificada como regular,
em termos humorísticos.
Analogamente, seria o mesmo que um indivíduo, privado há três meses de sexo,
ao ter uma relação sexual com uma mulher “comum”, e no dia seguinte, uma relação com
a “Miss” Universo, vá achar a primeira mulher, em termos sexuais ou de beleza, muito
superior à segunda. Não houve nesse caso, também, um grande alívio catártico na
primeira relação? Mas alguém, em sã consciência, poderia afirmar que o julgamento da
sexualidade ou beleza de cada uma das parceiras possa ser totalmente obnubilado pela
descarga energética libidinal? Ou ainda, um outro exemplo: um indivíduo privado de
alimento há dois dias não poderia saborear um prato de jiló, e continuar considerando o
jiló, em termos culinários, inferior a uma lagosta a thermidor? Claro que o efeito catártico
influencia o julgamento valorativo do sujeito, mas este não depende apenas da existência
de um possível efeito catártico. Essas analogias, acreditamos, servem para mostrar a
incongruência da hipótese que prega a existência de uma correlação entre gostar da piada
e o efeito catártico.
Um outro aspecto também conflitivo nessa área de pesquisa é quanto à correlação
entre “arousal” do impulso agressivo e a apreciação de humor. Para alguns autores, há
uma correlação positiva entre esse “arousal” e a preferência por humor agressivo: o
sujeito irritado preferiria piadas h(1968) também realizou estudos nessa área, chegando à
conclusão que, de fato, o humor possui um efeito catártico. Seu experimento foi realizado
em duas etapas: início e final do verão. Os sujeitos – negros – eram expostos
primeiramente a uma gravação que descrevia incidentes raciais danosos aos negros –
grupo experimental – ou a uma gravação neutra: discussão racial não-inflamada. Em
seguida, ouviam uma gravação (seis minutos cada) de humor hostil, humor neutro ou
controle (2x3). A medida final consistia em avaliações do humor e auto-avaliações no
Nowlis-Green Mood Adjective Check-List. Portanto, uma avaliação de sentimentos
hostis, não de atos agressivos.
Ambas as etapas – início e fim do verão – evidenciaram o poder catártico tanto do
humor hostil quanto do humor não-hostil. No entanto, os resultados do grupo “fim de
verão” foram mais contundentes no sentido pró-catarse (conseqüência dos famosos e
tumultuados “verões quentes” americanos, que teriam elevado as frustrações e a
susceptibilidade dos negros a níveis mais altos?) Além disso, Singer não encontrou
relação entre “arousal” agressivo e apreciação do humor, e nem entre catarse e apreciação
de humor (só houve correlação catarse/preferência por humor hostil no grupo “fim de
verão”).
Ele conclui afirmando que o humor pode agir possibilitando uma interrupção
entre o impulso e a ação, e fornecendo uma alternativa satisfatória à ação agressiva, o
humor hostil reduzindo uma motivação agressiva incitada.
Berkowitz, no entanto, prefere explicar os resultados de Singer, atribuindo-os a
uma recuperação da auto-estima provocada pela situação de humor; e não a um possível
efeito catártico (“The hostile humor created a ‘sense of increased matery’ which
overcame the ego threat inherent in the arousing communication”, Berkowitz, 1970).
Em 1969, Landy e Mattee confirmaram os achados de Singer: sujeitos
previamente insultados, expostos a humor hostil e humor não-hostil, eram menos
agressivos para com os indivíduos que os haviam insultado do que os sujeitos do grupo
controle.
Mas, em 1970, Berkowitz – inimigo público número 1 da catarse – chegou a
resultados opostos a todas essas pesquisas acima citadas. No seu experimento, oitenta
universitárias foram primeiramente insultadas (ou não), após o que ouviam uma gravação
de 4 minutos, que tanto podia ser de humor hostil ou não. Seguia-se então uma avaliação
de quem as havia insultado. O que aconteceu foi que os sujeitos que ouviram o humor
agressivo acabaram demonstrando maior agressividade para com seus entrevistadores
iniciais, tenham sido eles (os sujeitos) insultados ou não. Berkowitz acredita que os
resultados das outras pesquisas anteriores possam ser melhor explicados em termos de
restauração de auto-estima ou da presença de respostas alternativas incompatíveis com as
respostas hostis. Um ponto interessante nas críticas de Berkowitz é quanto ao aspecto
metodológico e está ligado à mensuração de sentimentos hostis. Para ele, o fato de haver
redução de sentimentos hostis não significa necessariamente uma diminuição de atos
agressivos, como já vimos quando da discussão do papel da fantasia. Mas, o problema é
que Berkowitz vai mais além, afirmando que pode haver até um fenômeno oposto: uma
redução de tensão experienciada pode levar a um aumento de atos agressivos! O que
ocorreria, por exemplo, quando um indivíduo irritado assiste a seu inimigo sendo punido?
A associação nascida aí – diminuição de tensão/agressividade – pode levar a
subseqüentes atos agressivos.
De um modo geral, concordamos com a essência da crítica, que diz que, a partir
de um experimento que meça diminuição de sentimentos hostis, não é possível
generalizar e afirmar que não haverá atos agressivos subseqüentes. E que é preciso
reconhecer que no fenômeno agressão não bastam a existência de sentimentos hostis para
que um ato agressivo seja efetuado.
De modo que, em seu experimento, Berkowitz afirma que o humor agressivo
aumentou os atos agressivos do sujeito. Mas, como ele só trabalhou com sujeitos do sexo
feminino, pode ter surgido o mesmo efeito que Psytkowicz et al. Reportaram em seu
experimento sobre fantasia: as mulheres não “catartizaram” uma situação de fantasia.
Será que aqui também, no humor, as mulheres não conseguem “catartizar”? Seria
necessário replicar o experimento com sujeitos do sexo masculino e com sujeitos de
ambos os sexos, para verificar o peso real da variável sexo que, embora ainda de maneira
inexplicada, parece possuir certa importância no processo.
Finalmente, em 1974 Leak chegou a resultados favoráveis à noção de catarse:
piadas hostis levaram sujeitos previamente insultados a serem menos hostis para com
seus “grosseiros e rudes” experimentadores do que o grupo controle. E nem por isso
apreciaram mais o humor hostil do que o grupo controle, acorde aliás nossa visão há
pouco exposta. Referindo-se ao experimento de Berkowitz, Leak critica-o, citando um
artigo de Schaeffer 91970) que afirma que Berkowitz não é “claro, nem consistente, nem
muito inteligível” quando fala de catarse (observação: Schaeffer critica Berkowitz não
pelo artigo sobre catarse e humor especificamente, e sim pelas suas concepções gerais
sobre o assunto. A nosso ver, incoerência pelo menos há: Berkowitz, comentando artigos
pró-catarse, ressaltou em uma ocasião que tarefas inócuas tinham o poder de frustrar os
sujeitos, aumentando a sua raiva, e em outra, que as mesmas tarefas inócuas distraíam os
sujeitos, dissipando a sua raiva!?, 1962, 1970).
Leak acha que os resultados de Berkowitz tomaram a direção errada,
primeiramente por força da escolha do que serviria de exemplo de humor hostil – o
humor de Don Rickles, famoso por seu sarcasmo e ironia cortantes. Leak acha que o que
hoje consideramos exemplo típico de humor hostil não é necessariamente o que Freud
achava que era. No entanto, a nosso ver, Leak também não deixa claro o que Freud
considerava ser um típico humor agressivo, se é que isso existe. Sua crítica nos parece
também, pelo menos neste ponto, pouco clara e inteligível. Além disso, Leak propõe que,
para que haja melhores efeitos, a agressividade da piada tenha de estar camuflada, o que
mais se aproximaria das tradicionais noções psicanalíticas (enganar a “censura’ psíquica),
o que explicaria por que a óbvia ferocidade de Don Rickles não serviria, no caso. Deduz
Leak daí que talvez seja possível o fenômeno assumir a clássica forma de uma curva em
“U” invertido nessa questão, onde um humor medianamente agressivo produziria a
catarse, enquanto um humor muito agressivo não produziria esse efeito. A catarse,
portanto, só se daria quando houvesse uma dose suave ou moderada de hostilidade.
Não deixa de ser, a nosso ver, uma promissora linha de pesquisa, embora Leak
não precise exatamente o respaldo teórico que a justifique e a sustente, uma vez que, pelo
referencial psicanalítico, seria difícil explicar a forma em “U” desses resultados.
Assim, de um modo geral, essas pesquisas têm demonstrado que, de fato, há uma
diminuição de sentimentos hostis/atos agressivos por parte de sujeitos previamente
irritados e expostos a situações cômicas, hostis ou não. É de especial interesse o fato de
que, ainda que em menor escala, as situações cômicas não-hostis também são capazes de
provocar uma diminuição de sentimentos hostis/atos agressivos. O riso e o choro – as
duas máscaras do teatro – seriam os únicos, verdadeiros e poderosos veículos catárticos,
quaisquer que tenham sido as emoções tensiogênicas? Poder-se-ia colocar na mesma
“prateleira” o riso de piadas hostis, ou o humor negro, e o humor inocente? E assim
também o chorar de raiva junto ao chorar de frustração e tristeza?
Acreditamos estar diante de uma profícua linha de pesquisa, e pelo menos ao que
eu saiba, pouco estudada. Enquanto o fenômeno “choro” tem sido abordado no campo da
terapia, pelas suas características denotativas da presença de fortes emoções e de efeitos
supostamente aliviantes, o riso, por sua vez, mereceria algo mais da atenção e de estudos.
Pelo menos, parece ter alguma importância mediadora na questão da diminuição da
agressividade.
Violência: televisão e cinema –
A maior parte das pesquisas sobre catarse concentra-se nesse item, que se refere
fundamentalmente ao primeiro sentido – aristotélico – da palavra catarse. E é justamente
aqui onde os adeptos da catarse se deparam com os mais duros reveses, seja em estudos
de laboratório, seja em estudos de campo. A extensa lista de experimentos realizados
neste área pode ser encontrada nas revisões de Goranson (1970), Muñoz, Carlos C.
(1974) e Geen (1976).Como esse último salienta, o peso dos resultados obtidos é tal que
não mais sentido a pergunta: “Será que a observação de filmes violentos torna o
espectador mais agressivo?” Em vez dela, caberia melhor uma outra pergunta: “Em que
condições específicas a observação da violência promove o aumento de agressividade no
espectador?” Goranson (1970) reportou apenas um estudo de laboratório experimental
pró-catarse: o de Feshbach (1961). São poucos também os estudos de campo com a
mesma posição: o estudo conjunto de Feshbach e Singer (1971), o de Eron et al. (1972),
que apresenta resultados ambivalentes, e algumas pesquisas que apenas não confirmaram
os estudos de laboratório (Milgram e Shotland, (1963). O resto consiste em volumosa
pilha de artigos e pesquisa apontando os perigos da violência filmada.
Experimentos de laboratório –
A ampla divulgação dessas pesquisas facilita nosso trabalho, nos livrando de
resumos detalhados das principais pesquisas, já por demais difundidas e conhecidas.
Desde 1960 que grande número de experimentos vem sendo realizado, sempre apontando
o fato de que a observação de violência aumenta, facilita, elícita ou, de um modo ou de
outro, acaba promovendo subseqüentes comportamentos agressivos por parte do
espectador. Dentre os experimentadores dessa área destaca-se A. Bandura, com grande
quantidade de trabalhos publicados, principalmente com crianças. Para ele, as crianças
aprendem padrões comportamentais através de mera observação, e tendem a imitá-los,
mormente quando o modelo é reforçado por tais comportamentos, o que, diga-se de
passagem, é o que acontece na TV, com os “mocinhos” sempre recompensados pelos
seus atos violentos contra os “bandidos”.
Um exemplo típico do procedimento dos vários experimentos de Bandura é o
seguinte (Bandura, Ross e Ross, 1963b): apresentaram-se filmes de modelos agressivos
que, para alguns grupos de sujeitos,, eram punidos e para outros, em outra versão, eram
recompensados por seu comportamento. As crianças que observaram o modelo agressivo
recompensado passaram a imitá-lo. No entanto, a observação de que o modelo sofria
conseqüências aversivas inibia a agressividade (maiores detalhes quanto `sistemática
banduriana podem ser encontrados no excelente resumo de Soccii, 1977, páginas 16 a
42).
A criança, segundo Bandura, é apenas por observar uma ação, capaz de codificála,
memorizá-la e pô-la em prática posteriormente, quando se lhe assegurar uma situação
similar. Mais do que uma conexão S-R, a criança apreende um “set” de relações
conectadas numa dada situação. Assim, Bandura e outros proponentes da teoria da
aprendizagem social mostraram em seus experimentos, inequivocamente, a relação
observação da violência-atos agressivos posteriores.
As críticas metodológicas levantadas contra Bandura referem-se principalmente
às amostras utilizadas: crianças do jardim-de-infância, predominantemente da classe
média. A utilização desse tipo de amostra envolve dois aspectos: primeiro, o de que
crianças nessa idade tendem a imitar tudo o que vêem pela frente. Como propôs Fein
(1973), crianças mais velhas já não imitam tanto quando as mais novas um
comportamento observado, lançando mesmo a hipótese de que o declínio da imitação
reflete um aumento de maturidade cognitiva. Ou seja, as crianças até 5 anos de fato se
comportam como afirma Bandura. Mas tais achados não podem ser facilmente
transpostos a crianças mais velhas, para quem a observação de violência não seria tão
danosa, porque nelas a imitação é menor. Quanto ao nível sócio-econômico, também é
possível que os valores da classe média (classe testada) tenham atuado como poderosa
variável interveniente, mas aqui a solução é mais simples: basta replicar os experimentos
com crianças pobres e crianças ricas.
Além dessas críticas particulares, há aquelas de sempre referidas ao estudo da
agressão em laboratório, que vamos deixar para examinar ao fim deste argumento.
Outras possibilidades que procuram explicar o aumento da agressividade após a
observação de filmes violentos falam das seguintes alternativas: diminuição de inibições,
aumento do “arousal” emocional, manutenção de drives agressivos, fornecimento de
pistas, etc..
Quanto à diminuição de inibições, a idéia exposta é a de que a visão de cenas
onde a agressividade seja permitida ou mesmo desejável levaria o observador à crença de
que suas inibições internas quanto à agressão poderiam ser também inibidas, ou ainda, os
levariam a uma maior tolerância a atos agressivos. Geen (1976) reporta pelo menos treze
artigos com resultados favoráveis a este ponto de vista.
Outro grupo de idéias relacionadas ao assunto é aquele defendido por Berkowitz,
de que a visão de determinados estímulos relacionados à agressão desperta, ou melhor,
elícita a emissão de comportamentos agressivos. Aqui, no entanto, reina certa discórdia,
com inúmeros experimentadores não conseguindo replicar os primeiros achados a este
respeito de Berkowitz. Ele próprio declarou recentemente (1974) que talvez essa variável
seja de pouca monta, e facilmente mascarável por outras variáveis mais relevantes ao
processo.
E finalmente há aqueles que defendem a idéia oposta à prevista pelos pró-catarse,
isto é, que tais cenas levariam a um aumento dos sentimentos hostis/atos agressivos.
Particularmente, lembro-me de que, quando tive a idéia de estudar o assunto
catarse da agressão, pessoalmente me mostrava bastante inclinado a acreditar nos seus
efeitos purgatórios, principalmente dentro da acepção aristotélica. E por essa época tive a
oportunidade de assistir ao filme de N. Jewinson, “Rollerball”, que veio abalar
profundamente minhas convicções nesse sentido. Tornei a vê-lo posteriormente, e em
ambas as ocasiões, pude constatar que grande parte da platéia presente mobilizava-se nas
cenas violentas, expressando seus sentimentos hostis abertamente, por meio de gritos e
palmas, quando o “mocinho” se vingava! Esse caso anedótico me fez concordar com a
idéia de que, pelo menos momentaneamente, a agressividade, como o sexo, tem um poder
excitatório, e não inibitório ou catártico. Resta saber se, a longo prazo, aqueles que
saíram do cinema, ou aqueles que “saíram da partida de Rollerball” sentiram-se mais
aliviados e menos propensos a agressões (sentimentos ou atos).
É ainda em Geen (1976) que encontramos uma extensa lista de experimentos que
confirmam a presença de fortes influências que, a curto prazo, elevam ou mantêm em alto
nível os sentimentos hostis, aumentando assim a possibilidade de ocorrência de atos
agressivos. Pelo menos uns vinte experimentos vieram a comprovar tais efeitos.
Pequenas diferenças metodológicas tais como fatores de proximidade-afastamento das
situações apresentadas nos filmes, grau de realidade-fantasia, justificabilidade ou não da
agressão, coloriram diferentemente essas pesquisas, mas sempre apontando o fato de que
a curto prazo verifica-se um aumento de “arousal” agressivo. Não há catarse “à vista”
nessas condições.
Como explicar então os resultados encontrados por Feshbach (1961), únicos na
defesa da noção de catarse?
Bem, examinemos primeiramente o procedimento empregado por ele neste
experimento. Após insultar (ou não) os sujeitos, o experimentador permitia-lhes assistir
(ou não) a uma luta de boxe, a pretexto de julgar a personalidade do personagem
principal, após o que lhes era apresentado um teste de associação de palavras e o pedido
de que avaliassem o experimento e o experimentador. O grupo controle assistia um filme
neutro. Feshbach ressalta a importância de dois fatores importantes: a necessária irritação
prévia dos sujeitos, e a presença de alguma conexão funcional entre o ato vicário e as
condições agressivas instigadoras. A ausência de qualquer uma dessas duas condições
implicaria em aumento e não em redução do drive agressivo. (Essa ressalva é dirigida a
todas as pesquisas que utilizaram agressões a objetos inanimados pretendendo que tais
agressões fossem catárticas. Para Feshbach tais pesquisas levaram os sujeitos a um
aumento de agressividade, justamente porque não havia uma conexão da irritação com o
alvo atacado). De fato, ao cabo do experimento, Feshbach aponta que o grupo
experimental que assistira a filmes agressivos evidenciou menor quantidade de agressão
em ambas as variáveis dependentes que o grupo controle, que assistiu ao filme neutro.
Entretanto, os sujeitos do grupo que não foram previamente aborrecidos não
apresentaram maior agressividade após assistirem o filme de conteúdo agressivo!
Feshbach afasta, com relação aos resultados pró-catarse, a possibilidade da interferência
do fator culpa, uma vez que não se detectou no teste de associação de palavras nenhum
indício da presença de sentimentos de culpa. E quanto ao fato de não haver aumento de
agressividade nos grupos dos sujeitos não insultados, Feshbach mostra-se relutante, sem
saber se a falha foi sua – metodologicamente, o questionário poderia ser um instrumento
falho de medida – ou da teoria que prediz esse aumento – instigação ou “arousal”.
O fato de ser esta a única pesquisa que alcançou resultados pró-catárticos nos
dispõe a um estado de espírito facilmente traduzível pela pergunta: “onde está o erro?”.
No entanto, a resposta a essa pergunta não é tão fácil assim. Já em 1962 Berkowitz
especulava quanto ao papel exercido pela ansiedade e por sentimentos de culpa –
menosprezados por Feshbach – e do problema da agressão ser encarada como justa ou
injusta. Goranson (1970) é da mesma opinião, acrescentando ainda a questão de que
mostrar filmes tão violentos sem maiores explicações prévias levaria forçosamente a um
aumento de inibições quanto a agressão. Zillman (1973) sustenta que todo o filme com
“happy end” dissipa as agressões porventura suscitadas no decorrer do mesmo. E no
filme utilizado por Feshbach o herói ganha no final. Geen (1976) sugere que pode haver
uma catarse de emoções, o que não implica necessariamente em uma diminuição de atos
agressivos, como vimos anteriormente. Essa idéia, na verdade, foi sugerida por Manning
e Taylor (1975). Para eles, os sentimentos hostis são diminuídos catarticamente, mas isso
não altera a ocorrência de atos agressivos. O único problema é que na pesquisa realizada
por eles só foi encontrada confirmação para a idéia da diminuição dos sentimentos hostis,
isto é, não houve nenhum aumento de resposta agressivas! Concluem os autores que tal
fracasso talvez tenha se dado por problemas existentes nas condições experimentais, que
possivelmente falharam no propósito de maximizar as respostas agressivas: falta de
ligação entre o insulto e o conteúdo do filme e o papel da falta de justificabilidade da
agressão, que, ao que parece, aumenta a agressão (Berkowitz, 1965 e Meyer, 1872). Essa
explicação de Manning e Taylor nos parece algo estranha, porque essas mesmas
condições, como estavam, se mostraram satisfatórias para provocar uma diminuição de
sentimentos hostis...
Mas, voltando ao experimento de Feshbach, ainda não há uma resposta
satisfatória `questão “onde está o erro?”. Embora não concordemos com as explicações
de que sentimento de culpa, presença de um final feliz ou gratuidade da cena tenham um
peso fundamental na explicação dos resultados obtidos, por outro lado também nos
vemos sem saber como responder a esta pergunta (não é que a culpa, final feliz, etc., não
tenham influído, provavelmente tiveram algum peso no processo. O difícil é querer
reduzir os resultados encontrados à atuação dessas variáveis).
Assim o estudo de Feshbach e também, em parte, o de Manning e Taylor,
permanecem como curiosas exceções e verdadeiras ilhas num mar de refutações .à noção
da catarse, constituindo-se num desafio e insuflando sinais de vida na agonizante idéia
da catarse vicária nesse item relacionado a violência observada.
Resumindo, temos que a maior parte dos experimentos de laboratório vai em
direção contrária às afirmações pró-catarse. No entanto, tais tipos de pesquisa vêm
sofrendo uma série de críticas metodológicas. Basicamente, a questão seria de se saber se
os achados sobre a agressão em laboratório são generalizáveis para “o mundo lá fora”. A
maior parte dessas pesquisas termina nos choques elétricos ou em avaliações através de
questionários. Simplesmente não há oportunidade para o agressor se expressar por outros
meios, e conseqüentemente, de se utilizarem outras medidas além das já mencionadas. A
agressão verbal, por exemplo, é simplesmente desprezada. A agressão física, idem,
embora aqui as limitações sejam praticamente insuperáveis, por óbvias restrições éticas.
Não se pode colocar – nem se deve – um revólver ou uma faca nas mãos de um sujeito
previamente insultado.
Tais restrições éticas, somadas à necessidade de um controle adequado, acabam
conferindo um tom de artificialidade a esses experimentos. Até que ponto dar choques
elétricos em laboratório constitui uma válida contra-partida das injúrias verbais fora do
laboratório? É possível efetuar essa passagem com pouca ou nenhuma perda de
substância? Ou será que a agressividade não cabe mesmo num laboratório?
Além disso, as próprias estimulações “injuriantes” são de pouca monta. Insultos
suaves, choques elétricos, desvalorizações intelectuais e nada mais. Embora tais
manipulações realmente produzam certo mal-estar e raiva, como salientaram Worchel e
Cooper (1976), elas estão por demais afastadas das situações mundanas. E mais,
determinadas condições, como por exemplo a utilização de tarefas de aprendizagem,
podem envolver até mesmo um genuíno desejo por parte do sujeito de corrigir os erros do
“conferado”, mais do que simplesmente a intenção de puni-lo. Outro fator
importantíssimo é que a situação de laboratório, per se, pode levar o sujeito a “colaborar”
com a pesquisa, agindo ou atuando como ele acha que seria adequado, ou como ele supõe
que fosse o desejo ou a expectativa do experimentador.
Há que se considerar ainda a suposição levantada por Singer (1971), de que todo
esse tipo de experimentação pode assumir aos olhos do sujeito uma atmosfera de jogo,
uma vez que o sujeito sabe que nunca os “cientistas” ali presentes permitiriam-no
exorbitar e realmente agredir e “machucar” alguém. A nosso ver, essas variáveis
cognitivas, principalmente, é que devem ser examinadas, e de algum modo controladas.
Essa discussão das limitações de experimentos em laboratório evidentemente não
é nova, e tampouco vai ser abordada aqui (confira a respeito Rodrigues, A., 1974, 1977 e
Brush, 1976). Também não estamos pretendendo que se terminem os experimentos de
laboratório, que mesmo com todas essas limitações acreditamos sejam de valor
inestimável em termos de cientificidade. Por outro lado, não há dúvidas de que há uma
maior necessidade, pelo menos no caso da agressão, de se buscar um modo de trabalhar
em “settings” mais naturais, com a menor perda possível de validade e controle e sem
maiores ofensas éticas aos sujeitos. E quanto mais não seja, ainda em defesa dos
experimentos de laboratório, essas pesquisas têm no mínimo um valor heurístico, e
podem gerar futuros estudos de campo a partir de suas descobertas. É claro que todas
essas deficiências com relação ao estudo da agressão refletem-se nos estudos sobre a
catarse. Estes, no entanto, oferecem ainda outras complicações adicionais e específicas,
complicações essas que vamos examinar ao cabo dessa seção. Antes porém, vejamos os
principais estudos de campo sobre violência observada e catarse.
Estudos de Campo –
Os principais estudos de campo são inegavelmente mais suaves e
condescendentes para com a sofrida idéia da catarse. A maior parte deles, porém, veio
confirmar as predições das pesquisas de laboratório. Por esta razão, examinaremos mais
atentamente aqueles estudos com resultados pró-catarse.
De um modo geral, o procedimento básico é o mesmo utilizado em experimentos
de laboratório: os sujeitos observam filmes violentos, após o que, mede-se seu
comportamento agressivo. O problema, nas pesquisas de campo, no entanto, é a
dificuldade relacionada à sua validade interna – a pouca segurança que o experimentador
tem de que os resultados obtidos se devam à selecionada dieta de filmes vistos, e não a
inúmeros outros fatores anômalos e estranhos ao processo, que, em maior ou menor grau,
acabam interferindo e influenciando os resultados.
Dentre os estudos que confirmaram os achados de laboratório podemos citar
primeiramente o de Berkowitz (1971), que reportou forte correlação positiva entre a
divulgação de atos violentos pelo “mass media” como o assassinato de Kennedy, por
exemplo, e uma maior incidência de crimes violentos na comunidade.
Um experimento de Goldstein e Arns (1971) refere-se a uma partida de futebol
americano. A medida era feita através de uma auto-avaliação de hostilidade, e verificouse
que os sujeitos se percebiam mais hostis após o jogo, não importando se tinham
“torcido” para o time vencedor ou para o time perdedor. No entanto, já discutimos
anteriormente a inadequação desse tipo de medida.
Mas, das várias pesquisas nesse campo, vale a pena ainda citar a realizada por
Eron et al. (1972), que trabalhando com crianças e utilizando a TV – programas violentos
– tentou obter uma correlação entre preferência por parte dessas crianças por programas
violentos e a presença de futuros (espaço de 10 anos) comportamentos agressivos. Os
“juízes” eram os próprios sujeitos, seus companheiros, pais e mães (além do que, foram
utilizados alguns testes, como o M.M.P.I. e o Walters-Zak Teste). A pesquisa iniciou-se
em 1960 e encerrou-se em 1971, e, de modo geral, os resultados finais corroboraram tais
expectativas (à exceção das meninas, que mais uma vez, houveram por bem contrariar os
experimentadores. Qualquer que seja a hipótese – pró ou contra a catarse – o sexo
feminino vem invariavelmente “atrapalhando os resultados...”) Assim, Eron concluiu que
a TV pode ser um dos fatores responsáveis pelo comportamento agressivo de crianças
telespectadoras.
E, recentemente, a revista Psychology Today publicou um artigo de Muson, H.
(1978), no qual ele tece considerações sobre pesquisa recentemente conduzida na
Inglaterra e dirigida por Belson, W.. Nesta pesquisa de campo – patrocinada pela
Columbia Boradcasting System – Belson, após seis anos de investigações e a utilização
de 1565 adolescentes (teen-age) como sujeitos, conclui que: “the evidence was very
strongly supportive of the hypothesis that long-term exposure to violence increases the
degree to which boys engage in violence of any kind”. Um aspecto interessante desse
trabalho foi o fato apontado por Belson de que comédias e cartuns, mesmo se violentos,
não aparentavam possuir qualquer efeito deletério no sentido de aumento da violência,
devido à sua pouca similitude com a realidade (quanto mais próxima da realidade a
violência, maior seria o seu efeito danoso). Para Belson, a TV agiria mais no sentido de
provocar uma diminuição das inibições contra a violência do que de propriamente excitar
possíveis impulsos agressivos.
E, para terminar, gostaríamos de citar um experimento realizado por Camino, L.
(1976), na Bélgica. Nesse experimento, durante uma semana, grupos distintos de
adolescentes institucionalizados observaram filmes agressivos ou não. Na semana
seguinte, procurava-se detectar os possíveis efeitos através da observação de
comportamentos agressivos. Segundo Camino, os rapazes que viram filmes agressivos
aumentaram significativamente o número de respostas agressivas, enquanto que aqueles
que observaram filmes neutros diminuíram, também significativamente, o número de
respostas agressivas.
Por outro lado, alguns estudos importantes apresentaram resultados opostos.
Milgram e Shotland (1973) procuraram estudar as influências, a curto prazo, de cenas
violentas em indivíduos frustrados. O método era o seguinte; os sujeitos, após assistirem
um filme agressivo (com punição posterior ou sem punição) ou neutro, dirigiam-se a um
determinado local para receber um prêmio por sua participação na pesquisa. Ao
chegarem ao local onde supostamente receberiam o tal prêmio (um rádio), encontravam
apenas um aviso dizendo que não haveria mais a recompensa prometida. O detalhe é que
nessa sala, fazendo parte da mobília havia uma caixa de donativos repleta de dinheiro,
com um dólar, inclusive, quase do lado de fora. Iria o sujeito frustrado deixar-se
influenciar pelo filme agressivo, onde os atos anti-sociais não foram punidos, e assim
roubar pelo menos o dólar pendente?
A resposta nesta pesquisa, bem como em outras similares realizadas
posteriormente, foi um não. De fato, os sujeitos frustrados/modelo anti-social não-punido
roubaram em freqüência superior aos demais, mas não a ponto de os resultados serem
significativos. Milgran, portanto, não conseguiu provar a relação televisão/atos antisociais,
o que aliás deixou bastante satisfeito o patrocinador da pesquisa (C.B.S.).
Esse experimento, no entanto, nos leva a concluir apenas que não basta a um
sujeito assistir a um filme onde o crime compensa para desandar a cometer atos antisociais.
Pobres de nós se bastasse um pouco de frustração e um modelo para nos
tornarmos delinqüentes! A pesquisa não joga nenhuma luz quanto aos efeitos de uma
dieta intensiva de filmes onde a “agressão compensasse”` e suas conseqüências.
Agora, o grande estudo – o mais famoso – foi aquele realizado por Feshbach e
Singer (1971). Neste, adolescentes classe média e baixa, escolas particulares e “boy’s
home”, sem equivalente no Brasil, traduzível por “centros residenciais de tratamento”)
eram submetidos a uma dieta de filmes violentos – faroestes, filmes de detetive – ou a
filmes nào-agressivos – comédias, shows, séries de família, por seis semanas. A
freqüência de comportamentos agressivos era observada diariamente, antes, durante e
depois do “tratamento”.
Os resultados mostraram, principalmente para os da classe baixa, uma queda na
freqüência de comportamentos agressivos nos sujeitos submetidos a uma dieta de filmes
agressivos. E que, quanto maior o nível agressivo inicial do sujeito, maior a redução ao
cabo do “tratamento”. Feshbach e Singer concluem que a observação maciça de
agressões leva a uma diminuição de tendências agressivas. Os autores reconhecem, no
entanto, que não estudaram o “potencial imaginativo” dos sujeitos, e que também o fato
de o grupo controle se ver privado do tipo de filme de que mais gostava talvez houvesse
suscitando neste grupo um estado de frustração gerador de tensões hostis.
Por trás dessa diminuição estaria um efeito catártico produzido pelo ato de
fantasiar. Mas, aqui surge um dado novo: aqueles que menos agrediam ao final do estudo
eram aqueles que mais estavam “fantasiando”. Seria de se esperar que estivessem
“fantasiando” menos, uma vez que teriam “gasto” a agressividade. Feshbach e Singer
procuram explicar tal aumento de fantasias atribuindo a elas também uma capacidade
inibidora e controladora, permitindo ainda uma saída para os impulsos agressivos.
Achamos nós que, embora seja possível que o fantasiar também tenha essa
propriedade inibidora, é falsa a expectativa de que, ao cabo do experimento, a diminuição
do número de atos agressivos, siga-se imediatamente uma diminuição do número de
fantasias hostis. Ora, se a fantasia é catártica, quanto mais o sujeito fantasiar, menor a
agressividade resultante. O fato de ele continuar fantasiando pode indicar apenas que esse
processo é mais lento e que custa a se dissipar. Desde que não há nenhuma certeza a
respeito da natureza deste processo, é possível que o mesmo obedeça a leis algo
diferentes, ou seja, a moeda corrente em termos de fantasia não precisa ser igual à moeda
corrente em termos de atos agressivos. Talvez a primeira esteja mais “desvalorizada”,
precisando portanto aparecer em maior quantidade para equivaler-se à segunda.
Reconhecemos que é uma hipótese, digamos, não muito provável, mas ainda assim
possível.
Um outro senão da pesquisa, apontado por Geen, é que uma parcela de amostra –
os garotos das escolas privadas – apresentaram maior agressividade ao verem os filmes
agressivos. Seriam essas crianças diferentes das demais na sua capacidade de fantasiar?
Essa, pelo menos, foi a explicação mais adequada encontrada pelos autores. Infelizmente,
porém, os dados iniciais pré-pesquisa não apontaram nenhuma diferença quanto a esse
item.
Para Bandura (1973), os resultados de Feshbach e Singer são parcos, pouco
convincentes e mesmo nas sub-partes da amostra, onde se configuram as hipóteses
iniciais, os dados permitem uma variedade de interpretações. Mesmo aqueles sujeitos de
classe baixa, onde o resultado foi o mais positivo, de acordo com as expectativas, não
demonstraram diferenças quanto ao número de agressões físicas, e sim quanto ao número
de agressões verbais.
Assim é que, tomando-se em conjunto os experimentos de laboratório e de campo,
temos de concordar com Bandura quando afirma que um sujeito que observa violências
torna-se mais violento. Pelo menos quanto à agressão, Aristóteles estava aparentemente
errado. Vamos encerrar esta seção lembrando a pertinente advertência proferida por
Johnson (1972). Lembra esse autor que, para se falar de televisão e violência faz-se
necessário depurar exatamente o papel exercido pelas seguintes variáveis: quantidade e
qualidade da violência observada, contexto dramático, qualidades pessoais do agressor,
justificabilidade da agressão, resultados da mesma (se bem-sucedida ou não), estado
emocional do observador, suas expectativas, etc.. Qualquer afirmação grosseira, que não
procura examinar a força e a presença dessas variáveis, pouco pode acrescentar ao
montante de conhecimentos já existentes sobre este complexo assunto.
Atividade física e esportes –
A prática de esportes e/ou atividades físicas seria catártica? Purgaríamos nossa
hostilidade gastando-a numa partida de futebol? O pontapé que não dei no meu
orientador de tese, que me obrigou a refazer meu primeiro capítulo e o pontapé que foi
posteriormente desferido numa bola de couro, equivalem-se em termos de resultado?
Já vimos a posição dos teóricos a esse respeito, mormente a de Freud e dos
etologistas. Estes, inclusive, externaram inúmeras vezes a adequabilidade e a necessidade
da prática de esportes com esse fim. Infelizmente, a resenha experimental existente,
embora reduzida, não é favorável a essa noção. Um estudo de Atkins et al. (1972), citado
por Geen, relacionado a oficiais de polícia e à prática do boxe, demonstrou de fato uma
diminuição da agressividade por parte dos oficiais boxeadores. Como no entanto esses
sujeitos demonstraram sentimentos de culpa detectados no TAT, é possível que a
diminuição da agressividade final tenha-se devido a esse fator. Um estudo de Patterson
(1974), onde se previa um aumento de agressividade por parte dos jogadores de futebol
americano ao cabo da temporada, teve suas expectativas confirmadas, embora, segundo a
hipótese da catarse, deveria ocorrer o inverso, isto é, os jogadores deveriam exibir menor
agressão ao fim da temporada. Nesse estudo, oitenta sujeitos da amostra eram jogadores
de futebol, e cento e vinte e seis sujeitos serviriam como grupo de controle: eram
estudantes de educação física. Antes e depois (uma semana) da temporada 1971-1972,
foram submetidos a testes de hostilidade (escala Buss, 1957). E enquanto os estudantes
de educação física obtiveram resultados um pouco mais baixos nos testes pós-temporada,
os jogadores de futebol obtiveram significativamente mais altos.
A única crítica que nos ocorre fazer é que as medidas posteriores deveriam ser
efetuadas num tempo superior a uma semana. Esse tempo curto, inclusive, não permite
afastar a suposição de um possível efeito retardado da catarse, ou ainda que a excitação
residual da competição não houvesse se dissipado, impedindo a resposta catártica.
Outros estudos de laboratório (Zillman, 1972, Honemberger, 1959) também
indicaram resultados adversos à noção de catarse, onde atividades físicas ou o ato de
martelar pregos não diminuíram – até aumentaram – o número de agressões subseqüentes
(expressões verbais, choques elétricos).
Assim, até o presente momento, não há confirmação experimental para a idéia de
que esportes físicos tenham um efeito catártico. Não deixa de ser um pouco estranho esse
tipo de resultado, uma vez que seria de se esperar que, pelo menos por interferência ou
distração, tais atividades diminuíssem a probabilidade de agressões subseqüentes. Isso,
porém, não acontece.
Expressão direta da agressividade: objetos substitutos e objeto instigador –
A atividade catártica direta subentende a expressão da agressão, seja contra o
elemento frustrante, seja contra objetos substitutos. Ela pode ser verbal, física ou ambas.
Kenny (1952) se propôs a testar a catarse dentro da teoria F-A, mais especificamente a
idéia de que a ocorrência de qualquer ato agressivo reduziria a instigação para a agressão.
Em seu experimento, crianças, após responderem a metade de um teste (Korner
Incomplete Story Episode), praticavam em duas seções “liberações catárticas da
agressividade” atacando bonecas ou então (grupo controle) engajavam-se em tarefas que
envolviam jogos não-agressivos. Após esta segunda seção, tornava-se a medir a agressão
das crianças de ambos os grupos através da segunda parte do teste Korner (o Korner Test
é um teste projetivo onde se utilizam bonecas e utensílios dentro de uma “casa”. Medemse
os elementos agressivos que as dez histórias criadas pelo sujeito possam conter).
Observou-se que o grupo controle obteve significativo decréscimo de agressividade
quando comparado ao grupo experimental, que se manteve inalterado. Kenny conclui que
seu experimento não oferece apoio ao postulado catártico da teoria F-A. A diminuição de
agressividade observada no grupo controle foi atribuída ao que ele denominou “extinção
da ansiedade geradora de agressões”.
Outro experimento nessa área foi realizado por Mallick e Candless (1966), onde
pessoas injuriadas (ou não) praticavam tiro-ao-alvo ou procuravam resolver problemas
aritméticos. Em seguida, administravam (todos os sujeitos) choques elétricos aos
confederados que os haviam insultado (ou não). Ao sujeito era dada a garantia de que o
confederado jamais saberia quem estava aplicando choques, evitando assim os efeitos de
um possível medo de retaliação. Os mesmos autores realizaram estudos similares,
variando apenas na inclusão de uma conversa com o experimentador, uma conversa mais
uma tentativa de interpretar a situação e também na utilização da expressão verbal da
agressão. Os resultados apontaram a ineficácia do tiro ao alvo como redutor da
agressividade, tanto para o grupo frustrado, como para o grupo não frustrado. Por outro
lado, a variável conversação mais interpretação positiva do acontecimento mostrou-se
significativamente redutora de tendências agressivas, enquanto a expressão verbal da
raiva teve um efeito oposto ao predito pela catarse.
Dois aspectos destacam-se neste experimento: o primeiro, é que os sujeitos de
sexos diferentes não atuaram de forma distinta, ao contrário de inúmeros outros
experimentos que têm evidenciado algumas nuances nesse sentido. O segundo fator foi o
da gratuidade da emissão de choques elétricos pelo sujeito. Não havia um porquê de os
sujeitos acatarem os “confederados”, principalmente os que não haviam sido frustrados.
E mesmo esses que foram injuriados pelo confederado, talvez tenham-se sentido
constrangidos em agredir por agredir, ainda mais ocultos pelo anonimato. Tanto assim
que a maior parte dos sujeitos emitiu apenas um choque elétrico.
De modo que essa medida nos pareceu bastante ineficaz dentro do que se
propunha, e, ao que parece, Mallick e Candless também chegaram à mesma conclusão,
uma vez que alteraram em estudos seguintes o modo pelo qual o sujeito atacava o
confederado.
O único autor a encontrar resultados nessa área pró-catarse foi Doob (1972).
Rejeitando a possibilidade de haver uma catarse vicária, Doob acreditava no entanto na
possibilidade de efeitos catárticos no deslocamento, isto é, sujeitos que tiveram em seu
experimento oportunidade de dar choques em outras pessoas, demonstraram
subseqüentemente menor agressividade (medida também por meio de choques elétricos)
do que sujeitos que não obtiveram essa oportunidade, Doob, no entanto, faz a ressalva de
que a agressão a objetos inanimados como no experimento de Mallick e Candless, não
teria o mesmo efeito catártico. Para Doob, quanto mais parecido o objeto substituto do
objeto frustrante inicial, tanto maior o efeito catártico.
Esses três experimentos, tomados em conjunto, mostram que não há evidências
experimentais que apóiem a idéia de um efeito catártico no ataque a objetos inanimados.
Já o ataque deslocado a outros sujeitos que não o sujeito frustrante oferece ainda algumas
perspectivas pró-catarse. Suas implicações, porém, para o controle da agressão “na vida
real”, são mínimas, uma vez que o fato de eu agredir o meu irmão mais novo, em vez de
agredir o meu patrão, não traria grandes vantagens à humanidade em termos de uma
diminuição geral dos níveis de agressão.
Ataque ao Objeto Instigador –
Os mesmos resultados obtidos nas demais áreas repetem-se monotonamente no
contexto do ataque – físico ou verbal à fonte frustrante. Apenas alguns poucos estudos
pró-catarse (Thibaut e Coules, 1952 e Doob, 1972) opõem-se à grande quantidade de
estudos “anti-catárticos”.
No experimento de Thibaut e Coules (1952), sujeitos insultados por um
confederado podiam revidar ou não a agressão sofrida. Posteriormente a hostilidade
residual era aferida através de uma avaliação que o sujeito fazia da personalidade do
agente frustrante. Os autores observaram que o conteúdo dessas avaliações era mais
amigável naqueles sujeitos aos quais foi permitido um revide do que nos sujeitos do
grupo controle.
Berkowitz, desde logo, atribuiu ao fato de os sujeitos do grupo controle terem
sido impedidos de reagirem normalmente, um papel preponderante no experimento, já
que a prevenção de respostas hostis pode se transformar em situação frustrante,
aumentando os sentimentos hostis dos sujeitos. Quer dizer, não foram os indivíduos do
grupo experimental que diminuíram sua hostilidade, mas os do grupo controle que
aumentaram a sua.
Um segundo estudo realizado por Thibaut e Coules veio confirmar as objeções
levantadas por Berkowitz: quando os sujeitos, antes de revidarem, eram obrigados a
esperar por três minutos, o resultado obtido era o oposto ao do primeiro experimento.
Estes sujeitos, agora mostravam-se mais hostis. A interrupção, ao que parece, funcionaria
como fonte adicional de frustrações.
Seria interessante também replicar o experimento permitindo ao grupo controle
engajar-se em uma tarefa neutra, ao invés de impedi-lo de fazer qualquer coisa e depois
compará-lo ao grupo experimental onde haveria um revide imediato. Cabe lembrar ainda
que, embora os criadores da teoria da F-A tenham alertado para a importância do fator
tempo, ao que eu saiba, não foram efetuados estudos sistemáticos para examinar o peso
real e o modo de atuação dessa variável.
Um outro trabalho pró-catarse é o de autoria de Doob (1972). Neste, sujeitos
insultados que tiveram a oportunidade de aplicar choques elétricos em seus “adversários”,
ao tornar a fazê-lo, posteriormente (sob o pretexto de avaliarem “associações criativas”
dos confederados) foram menos punitivos do que aqueles que não tiveram tal
oportunidade. Em experimentos similares (1970), Doob já chegara a conclusões
parecidas.
Mas é possível explicar tais resultados através de uma mediação cognitiva, sem
lançar mão da idéia da ventilação de sentimentos hostis. Ou seja, o fato de os sujeitos já
terem punido com choques elétricos o confederado, poderia tê-los conduzido a um estado
de satisfação – restauração da auto-estima – já que haviam revidado o insulto sofrido
adequadamente. E se já haviam punido satisfatoriamente o agressor, por que tornar a
fazê-lo?
De qualquer maneira, pelo menos, o experimento não corrobora a noção de que
um ataque leva a outro ataque, de que a agressão conduz a outra agressão, etc...
Doob atribui à diversidade de procedimentos metodológicos existentes as
divergências encontradas no estudo da catarse, e reconhece que seus experimentos falam
de uma forma muito específica de catarse, e também que seus resultados podem ser
explicados alternativamente de uma forma mais cognitiva: pela mera satisfação de um
desejo de retaliação.
E tirante estes dois experimentos, os demais, quer tratem de expressões verbais ou
físicas, apresentam resultados opostos aos preditos pela hipótese da catarse (De Charms e
Wilkins, 1963; Rothaus e Worchel, 1964; Wheeler e Smith, 1967; Berkowitz e Geen,
1966; Geen, 1968; Geen et al., 1975). Mesmo quando a comportamentos hostis, seguemse
diminuições do número de respostas agressivas, estas podem ser explicadas através de
um possível aumento de inibições para com a agressão ou pelo sucesso em afastar o
agente frustrante, o que diminuiria a hostilidade residual (Rothaus e Worchel, 1964).
A conclusão que podemos extrair desses estudos é a de que a expressão de
sentimentos hostis e a perpetuação de atos beligerantes leva em geral, e a curto prazo, a
um aumento de agressividade. Mais do que uma purgação, o efeito resultante parece ser o
de uma facilitação ou exacerbação.
CAPÍTULO 4
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS ADICIONAIS
Além das questões metodológicas gerais referentes ao estudo da agressão em
laboratório, que vimos há pouco, há que se considerar ainda alguns problemas específicos
relacionados à catarse.
Para Doob, por exemplo 91970), parte das disparidades e até antagonismos
encontrados nessa área de pesquisa deve-se à variedade de paradigmas utilizáveis para
testar a hipótese da catarse e, conseqüentemente, `excessiva diversidade de tipos de
mensuração e de procedimentos utilizados. Assim, não se poderia esperar grande
uniformidade em termo de resultados de experimentos que ora se referem a atos
agressivos (ao frustrante ou a substitutos), ora a sentimentos hostis ou a um “arousal”
psicológico ou fisiológico. As medidas, por sua vez, poderão se basear na expressão da
agressão, verbal ou física, em brincadeiras agressivas, testes projetivos, questionários,
auto-avaliação, etc... Tudo isso leva forçosamente a discrepância nos resultados, dada a
natureza diferente dos processos envolvidos.
O próprio Doob lembra ainda que em algumas ocasiões o sujeito é irritado, e em
outras não, o que também deve se constituir em um fator a mais de divergências.
Acreditamos que todos esses processos, de um modo ou de outro, interferem
diferentemente nos resultados encontrados, e mais, certas idéias básicas são testadas
apenas de uma maneira, e abandonadas ou aceitas sem que se lance mão de replicações
onde se utilizem as outras medidas e procedimentos existentes.
A maior fonte de discrepâncias, a nosso ver, provém da utilização ora de
sentimentos hostis, ora de atos agressivos como critério de avaliação da catarse. Aqui
também seria interessante a realização de experimentos “duplos”, com o exame tanto dos
sentimentos como das respostas agressivas, o que permitiria até um progresso na
avaliação da magnitude da correlação entre sentimentos e atos hostis, bem como maiores
esclarecimentos sobre as condições que impedem a transformação da raiva em ação
agressiva.
É verdade também que os sentimentos carecem obviamente de aferição tão
precisa quanto os atos hostis. Os diversos instrumentos utilizados para tanto – T.A.T.,
Nowlis-Green Mood Adjective Check List, Auto-Avaliações, Percentagem de Adjetivos
amigáveis em avaliações das ações ou da personalidade do agente frustrante entre outros
– devem proporcionar igualmente distorções provenientes em seu uso.
Observa-se ainda que certos fatores mediacionais no processo, como os
sentimentos de culpa, ansiedade com relação à agressão, percepção da inadequação
momentânea de uma resposta agressiva, etc., não são levados em conta em algumas
pesquisas, enquanto outros pesquisadores se preocupam em isolar ou detectar a ação de
apenas alguns deles, ignorando os demais.
Variáveis de personalidade também são francamente ignoradas nestes
experimentos, quando, a nosso ver, não deveriam sê-lo. Pelo menos alguns aspectos
como extroversão-introversão, externalidade-internalidade e resistência à frustração, para
nos mantermos na área da “normalidade” poderiam ser guindados à condição de variáveis
independentes, propiciar alguma contribuição significativa. Cabe lembrar a sugestão de
Feshbach no sentido de se sondar a “capacidade de fantasiar” como um fator de peso na
catarse vicária. Idade, inteligência, nível sócio-cultural e sexo, principalmente este
último, pelo que já se demonstrou, mereceriam uma atenção maior.
Com relação às medidas fisiológicas, conforme já foi visto, consideramo-las ainda
bastante ineficazes e grosseiras. Até o presente momento, os indicadores fisiológicos,
estudados principalmente por Hokanson (1961, 1962, 1963, 1966 e 1968) não nos
parecem válidos instrumentos de aferição.
Gostaríamos de ressaltar também outros dois aspectos que consideramos
relevantes: a medida a curto prazo versus medida a longo prazo e o papel das “variáveis
cognitivas”.
Com aferição a curto prazo, queremos dizer que as medidas pós-experimentais
são realizadas, as mais das vezes, imediatamente após uma atividade supostamente
catártica. Ora, assim sendo, é possível que esteja ainda em atuação certos efeitos residuais
provocados pela prévia excitação. Conquanto, reconheçamos, trata-se de uma
especulação, achamos que seria interessante a realização de aferições, não só logo após a
realização do experimento, como também algum tempo depois do mesmo acabado. É
interessante se notar que a ninguém ocorreria solicitar a um indivíduo que tenha acabado
de chorar que avalie seus sentimentos, ou que se lhe meça seu estado fisiológico.
Evidentemente que qualquer medida neste sentido se veria contaminada pela atividade de
chorar e sentimentos subjacentes. E o mesmo pode ser dito para o riso ou para o medo. Já
para a agressividade, tais escrúpulos não se fazem presentes, como se a raiva fosse algo
de completamente estranho e independente das demais emoções. Concretamente, o que
estamos sugerindo é que as aferições existentes para determinar os possíveis efeitos de
uma catarse da agressão talvez estejam sendo realizadas pouquíssimo tempo depois da
atividade “catártica”. Seria conveniente, a nosso ver, que se espaçasse a aferição por um
período nem muito longo – outras variáveis acabariam interferindo – nem muito curto,
pelo motivo que acabamos de expor. Talvez os pró-catarse encontrem aí uma nova linha
de defesa para essa combatida noção.
Mas a principal linha de pesquisas, ou melhor, a mais promissora delas, a nosso
ver, encontra-se na esfera cognitiva, isto é, até que ponto uma atribuição cognitiva dada
ao processo pelo sujeito irá influenciar nos resultados obtidos? Uma consciência – falsa
ou verdadeira, não importa – de que uma atividade X é catártica, não poderia fazê-la –
torná-la – catártica?
Antes de mais nada, é preciso que se diga a bem da verdade que essa idéia, que
supus original nesse campo de estudos, não o é. É possível encontrar (infelizmente...) em
um estudo de Camino (1968) especulações a esse respeito, muito embora um
experimento realizado por ele não tenha dado cobertura à noção. Acontece que, neste
experimento, a informação de que os sujeitos tinham realizado uma atividade “catártica”
lhes era fornecida a posteriori. E o próprio Camino reconhece que um procedimento
experimental correto envolveria a ventilação dessa informação antes da atividade
catártica, isto é, o sujeito precisa acreditar que irá se engajar em uma tarefa
“purificadora”.
Assim, as informações que o sujeito possui, seus valores, experiências pessoais,
atitudes e opiniões, atribuições e percepção de estados internos, formam um conjunto de
processos conscientes ou semi-conscientes, que devem, provavelmente exercer uma
influência marcante no tocante à avaliação que ele, sujeito, faz de seu estado emocional.
Já Schachter e Singer (1962) enfatizavam o fato de que a percepção do “arousal”
autonômico e da situação ambiental são importantes no processo de avaliação subjetiva
de uma experiência emocional.
Parece-nos, portanto, que essa é uma linha de pesquisa bastante promissora no
estudo da catarse da agressão. A própria fama da catarse pode ser utilizada para a criação
de experimentos que explorem essa “consciência”. A mediação cognitiva pode vir a ter
um papel crucial na elucidação deste fenômeno.
ADENDO
Catarse, fama e psicoterapia
Se a catarse é mais um mito do que uma realidade, conforme mostramos no
exame do grosso da resenha experimental existente, como explicar sua fama e sua
“resistência à extinção”?
Talvez até essa pergunta não seja adequada, uma vez que as teorias hidráulicas da
motivação também carecem de embasamento experimental e continuam “ativas no
mercado”, ainda que bastante atacadas. Quer dizer, não há necessariamente uma
correlação positiva entre a fama e a veracidade de uma teoria, como a história já
demonstrou diversas vezes. A noção de que todo boato tem um fundo de verdade pode
ser mero boato e não ter um fundo de verdade...
Parece-nos contudo que grande parte da sustentação da noção de catarse provém
da literatura clínica, onde várias correntes se baseiam nos efeitos terapêuticos da catarse.
A própria psicanálise, em seus tempos primevos, o psicodrama, a terapia primal (e
recentemente até técnicas behavioristas de terapia implosiva e de “alagação”), além de
outros movimentos terapêuticos de menor expressão, salientam de um modo ou de outro
a eficácia curativa da catarse. A bem da verdade, na psicanálise atual, a catarse entre
apenas como facilitadora no desenvolvimento de “insights” (e segundo alguns
psicanalistas, é até indesejável, uma vez que o alívio sintomático obtido pela catarse
rouba a motivação do paciente para prosseguir na árdua exploração das causas e origens
de seus sintomas neuróticos/psicóticos). E na terapia behaviorista ela não é aceita, isto é,
as grandes pressões emocionais que ocorrem na terapia implosiva e na “alagação” são
batizadas de “ventilações emocionais”, têm reconhecidamente um papel importante no
processo, mas são interpretadas à luz de princípios behavioristas de aprendizagem.
Correndo o risco de cair numa divisão excessivamente simplista, diríamos que, do
corpo clínico, é possível extrair duas conclusões mutuamente exclusivas: (a) a catarse é
terapêutica e implica na lembrança de conteúdos reprimidos e na concomitante descarga
somática de emoções, sob a forma de lágrimas, risos e expressões de raiva, além de
intensas manifestações físicas e verbais; (b) na verdade, a essência ou principal fator
curativo em tais terapias não é a catarse em si (a ab-reação) mas a reintegração afetiva e
intelectual dessas liberações emocionais dentro de um quadro dito de mediação cognitiva.
Assim, no âmbito clínico, o que se questiona é o peso real da catarse no processo
terapêutico: o de principal variável ou de mero epifenômeno? As melhorias sintomáticas
obtidas nos tratamentos que se utilizam de tal método devem ser creditadas basicamente
ao que diz a conclusão (a) ou a conclusão (b)?
Não vamos nos aprofundar nesta questão, mas achamos que é possível, dentro da
conclusão (a), proceder a uma pequena discriminação, qual seja, a de que apenas o riso e
o choro sejam de fato terapêuticos, isto é, não pode ser desprezada a idéia de que o riso e
o choro, de um lado, e a expressão raivosa, de outro, tenham finalidades (efeitos)
diferentes! Esta última seria excitatória e as primeiras, redutoras de tensão. De modo que
o fato de haver catarse na expressão de determinadas emoções não implicaria portanto em
uma generalização para todas as emoções. O alívio real proporcionado pelo extravasar de
certas emoções não pode ser extrapolado como se fosse o efeito inerente e imanente que
se suceda sempre a qualquer expressão emocional. Essa generalização indevida poderia
então ser apontada como uma das razões para a injustificada fama da catarse quando
relacionada à agressão (cabe lembrar que a raiva descarregada no “set” terapêutico seria
“trabalhada” e interpretada, como reza a conclusão (b), o que impediria que o paciente
saísse da sessão ainda mais hostil e “raivoso”).
Fora do “set” clínico também, o que parece alimentar a idéia de uma catarse da
agressão é o efeito aliviante que a experiência catártica produz. As confissões de “mesa
de bar”, as confissões na religião, as expressões emocionais intensas em geral são
encaradas positivamente em nossa sociedade. De modo que aqui também pode estar
havendo a mesma generalização injustificada, como se o liberar de qualquer emoção
produzisse sempre o mesmo efeito. Esse raciocínio, de certa maneira, traduz uma
concepção bastante difundida, onde as emoções são encaradas como uma espécie de
substância semi-impura, que devesse ser escoada para não contaminar, por seu excesso, o
resto do organismo. Mas, como vimos na resenha experimental, a franca exposição de
sentimentos pode ter efeitos – no caso da agressão – até contrários aos esperados pelos
“pró-catárticos”.
Pode ser que o prosseguimento das pesquisas nessa área venha a esclarecer
também esse aspecto do porquê da fama da catarse, bem como, analogamente, na área
clínica, seu papel exato – e suas complexas relações com a esfera cognitiva – e no
tratamento psicoterápico.
CONCLUSÃO
A Purgação da Purgação –
“The problem of catharsys must be stated clearly, comprehensively, and
consistently before it can be discussed profitably in relation to conceptual consideration
and experimental findings. It must be presented in its most up-to-date and elegant form. If
it is not done, the idea of catharsys can be neither supported, refuted nor modified in the
light of the arguments presented and the evidence marshaled with respect to it” (Schaffer,
1970).
No parágrafo acima citado, R. Schaffer aponta um dos maiores problemas
pertinentes ao estudo da catarse, que é a ambigüidade do termo, resultante da profusão de
sentidos adquiridos ao longo de sua história, e de seu enquadramento em modelos
teóricos diferentes.
O sentido genérico, leigo, mais divulgado, fala de um fenômeno relativo ao
esvaziamento do reservatório – dentro de uma perspectiva “hidráulico-instintivista” e de
uma sensação prazeirosa que essa diminuição provocaria.
Mas, como já vimos, a verdade é que estamos diante de um termo bastante
utilizado, difundido, atacado, defendido e surpreendentemente vago. Até Freud, a
discussão sobre a catarse permanecia no campo da literatura e da arte. Primeiramente, em
termos vicários, na acepção clássica de Aristóteles, onde a tragédia e a música, supunhase,
purificariam os espectadores e ouvintes, excitando artisticamente certas emoções que
atuariam fornecendo uma espécie de alívio homeopático. Goethe, no entanto,
posteriormente, foi quem aventou a possibilidade de a catarse afetar mais os atores que os
espectadores ou leitores, conferindo um sentido adicional ao termo.
Mas foi em Freud que o termo ganhou conotações psicológicas. Primeiro, dentro
do contexto dos estudos sobre a histeria, onde concretamente catarse significava o
recordar de lembranças esquecidas, recordar este acompanhado de alívio resultante do
livramento de energias psíquicas represadas e tensiogênicas. Em segundo lugar, bem
mais tarde, ainda em Freud, dentro do quadro da pulsão de morte, referida à noção de
deslocamento e de sublimação, onde a expressão da agressão proviria, de uma forma ou
de outra, uma saída para os impulsos agressivos.
A definição psicanalítica, porém, subentende a utilização de outros termos, tais
como energia psíquica, catéxis, repressão, resistência, descarga, etc.. Assim, dentro do
referencial psicanalítico, não se pode exigir muita precisão do termo catarse, porque ele
repousa lado a outros termos igualmente vagos e não muito bem definidos. Os conceitos
básicos psicanalíticos carecem de claras e precisas definições operacionais, e seu nível de
testabilidade empírica é baixo. (Por exemplo, a energia psíquica postulada obedeceria às
mesmas leis que a energia física?) Além dos mais, a bem da verdade, talvez não faça
muito sentido falar de uma única psicanálise, já que contribuições posteriores,
encaminhavam a psicanálise em várias direções, nem sempre convergentes. Assim, nos
termos teóricos que nos dizem respeito, a pulsão de morte, por exemplo, não é
uniformemente aceita, e há divergências quanto à utilização e adequação dos modelos
econômico e hidráulico. Schaffer, por exemplo, acredita que a libido e a agressão podem
ser satisfatoriamente melhor concebidas em termos de objetivos motivacionais do que
em termos energético-qualitativos. Ele acha que a psicanálise pode dispensar a idéia de
catarse apenas se dispensar a hipótese da energia psíquica, o que, ainda segundo ele,
deveria ser feito. Binstock, embora psicanalista, também não acredita no que ele
denomina “mito da catarse”: a teoria dos afetos precisaria ser melhor esclarecida. No
entanto, seria um erro considerá-los, os afetos, como “uma simples substância estranha”,
impura, contaminadora, que deveria ser extirpada a bem da moral e da razão. A idéia da
catarse seria apenas uma racionalização do homem ocidental para lidar com sua
inabilidade em aceitar suas emoções como naturais, e a conseqüente necessidade de
abordar os afetos através de exercícios ritualizados, supostamente a serviço de princípios
mais nobres. Cabe lembrar também a posição de Erich Fromm, que considera a
agressividade em essência um distúrbio patológico.
Mas, a despeito dessas divergências, é no modelo hidráulico psicanalítico que se
ancora o sentido mais divulgado da catarse. E a maior parte das pesquisas, inclusive, tem
utilizado o fato de não se descobrir um efeito catártico como prova da incongruência do
modelo hidráulico que o sustenta.
Os estudos etológicos seguiram esta linha de pensamento. Para eles, a agressão é
um fenômeno largamente difundido, o que indica a presença de fortes pressões seletivas
favorecendo seu desenvolvimento. Sua função estaria ligada à competição para
acasalamento, recursos naturais, territórios e a preservação da identidade grupal entre
espécies gregárias. Sem querer menosprezar o papel da experiência e do meio, assume-se
no entanto que o comportamento agressivo é largamente determinado por adaptação
filogenética.
Embora também seja ilusório falar de uma única etologia – haja vista, em seção
anterior, as divergências existentes entre Lorenz, Tinbergen Eibl-Eibesfeldt, é possível
no entanto verificar que há premissas básicas comuns, como por exemplo a
espontaneidade do comportamento e a crença na existência de mecanismos neurais
motivacionais inatos. A catarse aqui é entendida da mesma forma que no modelo
hidráulico psicanalítico, não havendo maiores contribuições esclarecedoras a nível
semântico.
Um outro sentido para a palavra catarse proveio da teoria F-A. Para esta, o
próprio ataque ao objeto frustrante seria catártico, ocasionando uma diminuição de
tensão. Ora, até então, o termo catarse era empregado apenas a ações substitutivas ou
ataques a objetos neutros. Não que o ataque adequado, de momento, não provoque
diminuição de tensão. Claro que provoca. Apenas a palavra catarse era aplicada a essa
diminuição quando ela ocorria fora do contexto inicial, provocador de comportamentos
agressivos.
Assim, os teóricos da F-A consideram uma reação natural e momentânea a uma
agressão como catártica. A nosso ver, a utilização do termo nestas condições nos parece
desnecessariamente perturbadora e causadora de confusões. Acreditamos, numa primeira
tentativa de depuração do termo, que o emprego da palavra catarse deveria subentender
(a) uma reação postergada em termos temporais e (b) uma reação contra outros objetos
que não o objeto original frustra. Assim, só quando o indivíduo atacasse uma outra
pessoa ou um outro objeto simbolicamente (ou não) ligado ao objeto original, ou ainda,
quando fantasiasse uma agressão contra o alvo original, ou um alvo substituto, ou viesse
assistir como espectador a um filme com representação similar de conteúdo agressivo, é
que deveria ser empregado o termo catarse.
O que estamos propondo é o alijamento da palavra catarse àquelas reações tidas
como adequadas, naturais, espontâneas e momentâneas que constituem justamente o
revide imediato a uma agressão. A essa descarga, no entanto, que seja conferido outro
título ou batismo que não o termo catarse.
Por quê? Ora, o que nos parece capital no sentido do emprego desta palavra é
justamente a idéia de que uma purgação ou purificação só pode acontecer após algo
impuro, que necessite ser purgado, tenha acontecido! Este, a nosso ver, o sentido estaria
mais afinado com a terminologia da palavra, desde Aristóteles até Freud.
Em segundo lugar, tal distinção seria vantajosa quando se pensa na possibilidade
da catarse como mecanismo controlador – no sentido de torná-lo inócuo – de um
comportamento agressivo. Revidar a agressão ou atacar alguém que mais tarde possa
retaliar em nada contribuirá para diminuir ou tornar inofensiva nossa agressividade. Já a
catarse entendida como uma agressão a objetos substitutos provocaria uma diminuição de
tensão sem maiores conseqüências indesejáveis. Em terceiro lugar, por razões
metodológicas: um indivíduo que reage proporcionalmente a uma agressão sofrida pode
(ou não) sentir uma alicio. Mas esse alívio, se acontecer, acreditamos possa provir de um
possível efeito de drenagem como também da consciência que o indivíduo tem de ter
agido corretamente segundo seus padrões de conduta moral. Além do mais, outros fatores
tais como restauração de auto-estima, culpa, temor à retaliação, se imiscuiriam no
processo, tornando extremamente difícil delimitar o papel real do suposto efeito descarga.
É verdade que a culpa ainda poderia vir a ser isolada do processo, mas o medo
inconsciente de retaliação e a própria restauração da auto-estima já se colocam como
obstáculos algo mais difíceis de serem transpostos.
Assim, acreditamos que seria útil conservar o título de catarse apenas àquelas
reações que obedeçam à característica de retardamento temporal e de deslocamento
acima citados.
Mas, voltando à citação que abre este segmento, a verdade é que persiste uma
confusão de modelos. O raciocínio acima exposto, por exemplo, é feito à luz de um
enquadramento do termo catarse naqueles modelos que prevêem a noção de
represamento de emoções (F-A/Feshbach) ou de energia (Freud/etologia), a fonte dessa
represa seria contínua (etologia/Freud) ou eventual (F-A/Feshbach). No entanto, ainda no
parágrafo acima, é citado por exemplo o fator restauração de auto-estima, que,
convenhamos, é dificilmente traduzível em termos energéticos ou hidráulicos.
Acho que ninguém discordaria da idéia de Schaffer, pedindo maior clareza para a
catarse – e nós aqui estamos fazendo o mesmo – mas trata-se de uma tarefa que no
momento se afigura por demais complexa. Em termos práticos, por exemplo, o
mecanismo catártico subentende – após sua atuação – uma diminuição de
comportamentos agressivos ou de sentimentos hostis. Ora, Kaufmann, em 1965,
enumerou os seguintes modelos que explicariam a razão de ser dessa diminuição. Esta
poderia ocorrer: (a) pelo simples ataque a outros alvos, acorde à noção hidráulica; (b) o
mesmo, mas baseado na noção de um modelo de excitação autonômica indiferenciada,
“drivística”. E mais: (c) o sujeito agredir com sucesso um outro alvo (modelo
expressivo); (d) o sujeito agredir com sucesso o agente frustrante (modelo da restauração
de auto-estima ou remoção pura do agente (frustrador); (e) o sujeito ver seu frustrador
sendo punido, mesmo que seja por ação de outrem, e assim ver satisfeitas suas
expectativas cognitivas com relação à justiça (modelo de dissonância cognitiva); (f) haver
um acúmulo de inibição reativa ou mesmo de fadiga (modelo behaviorista); (g) o sujeito
desenvolver sentimentos de culpa ou ansiedade subseqüentes agressão; (h) o sujeito
perceber a propriedade de não agredir no momento, ou de fazê-lo apenas moderadamente.
A esta lista ainda é possível acrescentar a explanação da teoria F-A e também a de
Bandura, que acha que níveis de tensão psicológica altos podem ser diminuídos por
pensamentos tranqüilizadores ou divertidos, que por interferência dissipariam a prévia
tensão.
Metodologicamente também, a própria pesquisa da agressão como um todo vem
sendo questionada por não ter ainda conseguido sobrepujar – sem perda de rigor
experimental e cientificidade – dificuldades relacionadas a um parco poder de
generalização proveniente de um tom geral de excessivo artificialismo, que vem
impregnando as pesquisas de laboratório. A essas dificuldades somam-se aquelas
específicas do estudo da catarse, onde uma profusão de procedimentos e medidas
diversas acaba por tornar desnecessariamente mais confusa a situação.
De qualquer modo, dentro de tudo que foi dito – nessa nossa tentativa de prestar
alguma contribuição para o esclarecimento da noção de catarse – podemos concluir com
o seguinte resumo do que consideramos os principais pontos da presente dissertação:
A) Diferentes modelos teóricos procuram explicar uma possível redução de
agressividade/hostilidade após certos atos agressivos/pensamentos hostis.
B) A catarse seria uma dessas possibilidades, e a nosso ver, a palavra seria
melhor empregada se referida especificamente a reações postergadas e
deslocadas para objetos substitutos.
C) Persiste uma grande confusão quanto ao correto enquadramento teórico do
termo.
D) O dito termo sofreu uma evolução histórica na qual, mais do que mudanças, o
que houve foi um acúmulo de sentidos.
E) A catarse se aplicaria melhor em termos teóricos – com menores atritos – ao
modelo hidráulico/instintivista.
F) A confusão de modelos reflete-se na área de experimentação, tendo gerado
uma grande diversidade de procedimentos experimentais.
G) Mesmo assim, como vimos em nossa análise, a maior parte das pesquisas temse
revelado contrária à noção de catarse da agressão, seja ela vicária ou direta,
exceção feita a experimentos sobre humor.
H) Dentro do item metodologia, sugerimos a adoção de medidas a curto e a
médio prazo, isto é, as aferições têm sido efetuadas, a nosso ver, em tempo
muito reduzido após a expressão da agressividade, o que pode estar
provocando tendenciosidade nos resultados.
I) Uma linha de pesquisa bastante promissora pode ser aquela referente à
influência das variáveis cognitivas no processos. Seria interessante verificar
como as expectativas, crenças e atitudes do sujeito podem interferir nesses
resultados até então obtidos.
J) De qualquer modo, dado o que foi visto, ainda é cedo para se descartar
definitivamente a hipótese da catarse da agressão. Ainda serão necessários
grandes avanços teóricos e metodológicos para se delimitar exatamente em
que condições se fazem presentes a redução de sentimentos hostis e das
respostas agressivas, e se a noção decatarse pode de algum modo contribuir
para que isso aconteça.
(1) Deslocamento, etologia e psicanálise. Já que estamos fazendo uma comparação
entre etologia e psicanálise, convém sublinhar que o termo deslocamento, ao
contrário da sublimação, encontra em ambas as posições conotações diferentes.
Deslocamento, em psicanálise – “fato de a acentuação, o interesse, a intensidade
de uma representação ser suscetível de se voltar dela para passar a outras
representações originariamente pouco intensas, ligadas à primeira por uma cadeia
associativa” (Laplanche e Pontalis – “Vocabulário de Psicanálise”) – tem sua
contrapartida na expressão re-orientação em etologia (re-oriented activity ou redirected
activity).Um animal atacado por outro, de hierarquia superior, volta sua
agressão para um outro animal que lhe seja inferior hierarquicamente, isto é, reorienta
sua agressão. Aliás, o termo é utilizado só para comportamentos
agressivos.
Já o termo “deslocamento” ou “atividade deslocada”, no entanto, no vocabulário
etológico, está referido ao processo de execução de movimentos “fora do
contexto”, em situações tanto de conflito como sexuais.
Animais em situação de conflito, por exemplo, executariam comportamentos totalmente
estranhos à situação em questão, tais como alisar as plumas, ciscar ou cantar um bolero.
A energia de impulso, de algum modo bloqueada, poria em funcionamento um outro
impulso.
Infelizmente, porém, os próprios etologistas não seguem à risca – uniformemente – essa
divisão entre re-orientação e deslocamento, utilizando por vezes os dois termos
indistintamente, o que vem a gerar certa confusão. Tinbergen foi quem propôs
originalmente a divisão dos dois termos, conforme acima exposto (M. Tinbergen e J.J.A.
van Iessel, 1947). Mas, para M. Bastock, por exemplo, re-orientação é apenas um caso
particular de deslocamento. Um estímulo liberador semelhante ativa e/ou inibe um
comportamento; Konrad Lorenz utiliza os termos “deslocamento” e “re-orientação”
indistintamente, embora esteja se referindo ao segundo, enquanto Eibl-Eibesfeldt, I.,
simplesmente rejeita a divisão tinbergeniana.
Assim, conquanto possamos utilizar a expressão “sublimação’ livremente, o termo
“deslocamento” pedirá sempre, quando citado, um enquadramento em determinado
referencial teórico – se psicanalítico, se etológico. E mais, se etológico, será necessário
discriminar o autor e sua posição diante deste termo e do termo “re-orientação”.
Quadro I
Psicanálise Etologia
Deslocamento --------------------- “Re-orienteded activity”
---- --------------------- Deslocamento
Sublimação --------------------- Sublimação
Já a hipótese F-A (frustração-agressão), por exemplo, utiliza deslocamento no sentido
psicanalítico (equivalente etológico: atividade re-orientada). E para terminar, convém
apontar que Tinbergen acha que sublimação, termo que possui livre trânsito entre os dois
corpos teóricos, nada mais seria do que um juízo de valor que se confere à atividade reorientada...
Em resumo, só as noções de re-orientação e de deslocamento, em etologia,
mereceriam uma dissertação em separado...
(2) Diferenças entre agressão de cólera e agressão instrumental, Buss, A.H.: Agressão
de cólera: iniciada por qualquer estímulo que produza cólera: insulto, ataque ou
presença de elementos desagradáveis. Tais estímulos provocam a cólera, e esta é
seguida por um comportamento agressivo, cuja intenção é provocar sofrimento na
vítima.
Agressão instrumental: iniciada por competição ou pelo fato de o reforçador
desejado ser possuído por outra pessoa. Aí temos os casos de agressão a sanguefrio
(não colérica), cuja intenção é vencer a competição ou adquirir o reforçador.
Ainda hoje, no entanto, existem sérias divergências quanto à pureza e a nãointerpenetrabilidade
das duas definições. Como apontam Biaggio, Berkowitz,
Feshbach e Bandura, trata-se de uma distinção que não pode ainda ser aceita
como definitiva. E nem seria de se esperar que assim fosse, haja vista as dúvidas
existentes que concernem a própria definição de agressão.
(3) Em Bolles, Theory of Motivation (1967), encontramos o seguinte resumo para
essa noção: “Lewin’s basic explanatory premise was that a voluntary intention to
perform some act created in the organism a state of tension which would persist
until the tension could become dissipated by the performance of the intended
act”. Não é nossa intenção discutir aqui o fechado sistema teórico de Lewin.
Apenas gostaríamos de apontar o fato de que Lewin trabalhava primordialmente
com “Descargas de Tensão”, o que não acontece com Berkowitz. Assim, não nos
parece muito clara nem muito adequada essa transposição do modelo lewiniano
para as idéias de Berkowitz com relação à agressão.
(4) Observação: sem querer estender por demais o escopo da presente dissertação,
cabe lembrar apenas que na posição behaviorista (não da aprendizagem social),
certas técnicas terapêuticas como o treinamento assertivo (e, de certo modo, a
dessensibilização sistemática) reconhecem que na extinção de respostas
condicionadas emocionais, a ventilação emocional (como chamam à catarse) tem
um certo papel, embora ainda não definitivamente comprovado, dito como de
impacto benéfico (Nichols, 1975).

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